Escritor ataca clérigos e extremistas
Na sabatina a qual foi submetido na última segunda-feira, realizada pelo jornal Folha de S. Paulo, o escritor indiano Salman Rushdie falou de religião, política e da amizade com o intelectual Edward SaidSalman Rushdie tem todos os motivos para desprezar o Islã e seus seguidores. Depois de viver nove anos sob a sombra de uma sentença de morte proferida pelo líder espiritual do Irã, o aiatolá Ruhollah Khomeini, o escritor nascido em Bombaim, na Índia, não comete esse erro elementar. Como intelectual, sabe distinguir claramente o alvo de sua ira. São eles: os clérigos de todas as denominações e grupos extremistas religiosos. Rushdie participou no último dia 11 de julho, no Teatro Folha, em São Paulo, de uma sabatina promovida pelo jornal “Folha de S. Paulo”. O escritor veio ao Brasil para lançar seu último livro, “Shalimar, o Equilibrista”, na Flip, Feira Literária Internacional de Paraty. Ao contrário de sua participação na Flip, na sabatina Rushdie foi instigado a responder mais perguntas políticas sobre sua obra. A primeira delas foi do rabino Henry Sobel, presente na platéia. Ao respondê-la, lembrou que quando Khomeini decretou a sentença de morte, em 1989, o papa João Paulo II e o grão-rabino do Reino Unido apoiaram o líder religioso. “O papa disse que o entendia, mas não concordava”, disse Rushdie. Em sua opinião, os líderes religiosos jogam como um time e têm “aterrorizado e traído seus fiéis”. A pergunta de Sobel era o porquê de os líderes muçulmanos terem se calado diante dos atentados terroristas ocorridos nos últimos anos. Na verdade não se calaram. Um exemplo recente. Iqbal Sacranie, secretário geral do conselho Muçulmano da Grã-Bretanha, chamou os autores dos atentados em Londres de “pessoas perversas”. “Todos nós temos que nos unir em colaborar com a polícia para caçar esses assassinos”, disse ele à BBC. Sacranie foi recentemente condecorado com o título de Sir pelos esforços que tem feito em estabelecer o diálogo inter-religioso no país. Dentro de uma religião que congrega mais de um bilhão de fiéis, há líderes como Sacranie e há outros como Abdel Rahman, um dos mentores do primeiro ataque ao World Trade Center, em 1994. Rushdie também lembrou que o Islã não é uma religião monolítica. Mas congrega a manifestação de várias correntes, como o wahabismo que, segundo ele, é a verdadeira face do terror islâmico. Fundada no século XVIII, o wahabismo foi adotado pelos Saud, família que governa a Arábia Saudita. Os principais envolvidos com o chamado “terrorismo islâmico”, como Osama Bin Laden, e o líder do grupo que derrubou os aviões em 11 de setembro, Mohammed Atta, e Rahman são seguidores do wahabismo. Portanto há de se diferenciar toda a comunidade de uma parte dela. “Eles são uma minoria muito pequena [dentro do Islã]”. E por trás dessa corrente fanática há outra corrente extremista, a dos neoconservadores de Washington que apóiam a monarquia dos Saud. “Foram os Estados Unidos que inventaram os Saud”, acusou ele. O apoio norte-americano à ditadura saudita foi comparado pelo escritor à intervenção no Irã em 1953, quando o primeiro-ministro iraniano Mohammed Mossadeq foi derrubado do poder. O golpe foi articulado e financiado pelos governos britânico e americano, segundo “Todos os homens do xá”, livro escrito pelo jornalista do “The New York Times” Stephen Kinzer . Mossadeq, que pretendia estatizar os poços de petróleo do país, que estavam nas mãos dos ocidentais, foi substituído pelo xá Reza Pahlevi. “O grande erro das potências foi apoiar regimes títeres. A aversão ao xá é que criou Khomeini”. Rushdie defendeu que as potências ocidentais não podem decidir o que é melhor para os outros, como foi o caso da guerra do Iraque. Apesar de usar as palavras Ocidente e Oriente, ele não concorda com a formulação de Samuel Huntington sobre uma guerra de civilizações. “Não há uma divisão Oriente/Ocidente. Mas muito do Ocidente no Oriente e muito do Oriente no Ocidente.” Por outro lado, disse concordar em “75%” com o Orientalismo, tese defendida por Edward Said em livro homônimo. De acordo com o escritor, o conceito de Orientalismo é um marco nos estudos do Oriente. “Eu era muito amigo de Edward e quando ele era vivo concordava com 75% do que ele dizia e discordava de 25%. Mesmo depois da morte dele, continuo discordando em 25% e concordando com 75%”. Ao homem que decretou a pena de morte, Rushdie fez apenas um comentário: “ele está morto e eu não”. Khomeini considerou o livro “Os Versos Satânicos” uma blasfêmia e lançou a fatwa, uma decisão baseada na tradição. Lançado no Brasil pela Companhia das Letras, o título do romance foi erroneamente traduzido. Na verdade ele se refere a “versículos”, que segundo a tradição islâmica, teriam sido ditados pelo Diabo para que fossem inseridos no Alcorão.