Hamas assume sob expectativa de mudanças nas políticas palestinas
Movimento islâmico com maioria parlamentar terá pela frente pressão de potências estrangeiras, em conflito com a Fatah e com a responsabilidade de lidar, agora como governo, com problemas nos territórios ocupados (na foto, Ismael Hanyie, líder do Hamas) [...]por Arturo Hartmann (colaborou Arlene Clemesha) Há cerca de um mês, no dia 26 de janeiro, o Hamas, movimento político islâmico, obteve uma considerável maioria nas eleições legislativas palestinas. Conseguiu 76 das 132 cadeiras do parlamento e o controle das decisões legislativas. O Hamas caminha para ocupar agora o lugar que se deteriorou nas mãos da Fatah, partido que atualmente preside a Autoridade Nacional Palestina, com Mahmud Abbas. Para Paulo Hilu, coordenador do Núcleo de Estudos do Oriente Médio, a vitória do partido islâmico se dá no rastro dos fracassos do partido que por muitos anos dominou a cena política palestina. Ainda com Yasser Arafat, seu líder mais conhecido e reconhecido, a Fatah sofreu desgastes, entre eles o das negociações com Israel que não levaram a nada. “Houve um empenho em uma administração desastrosa e corrupta nos territórios ocupados. Em parte porque os acordos de Oslo obrigavam a Fatah a ser uma espécie de administração colonial para Israel, e em parte porque realmente a elite política da Fatah era extremamente corrupta, autoritária e ineficiente”. O partido, que surge ainda como movimento de resistência na década de 50, oscila com as mudanças políticas mundiais e também com os reveses do conflito que impede os palestinos de ter soberania. Para o jornalista Roberto Cattani, correspondente na região nas décadas de 70 e 80 e estudioso do islamismo, a crise que afeta o governo palestino está relacionado também à crise que viveu a esquerda após o fim da União Soviética. “O desmoronamento do marxismo foi a causa da substituição do marxismo pelo islamismo. Foi uma necessidade de engajamento político na Palestina. Aos poucos, ocorreu uma transição na Fatah, simbolizada pelo próprio Arafat, que sempre foi de uma grande ambigüidade. Al Fatah, que era marxista nos anos 70, depois virou movimento armado nos anos 80, e aos poucos foi se equilibrando com os muçulmanos fundamentalistas. Acabou sendo corrupto”. Na última segunda-feira, dia 6 de março, na primeira sessão do novo parlamento eleito, o difícil diálogo entre os que saem, o movimento Fatah, e os que chegam já começa a dar sinais de entroncamentos. O legislativo, como primeira medida, cancelou todas as decisões feitas na última sessão da legislatura que acabou, o que incluía uma cessão de maiores poderes ao presidente da AP, Mahmud Abbas. Os legisladores do partido de Abbas que fazem parte do parlamento (são 43 cadeiras) retiraram-se em protesto. Novos caminhos para uma palestina? O Hamas assume territórios - seja a Gaza “independente” ou a Cisjordânia ainda oficialmente ocupada - que continuam precários com relação a estruturas de saúde e educação, destituídos de soberania e autonomia. E apesar dos protestos de quem perdeu as eleições e dos críticos à vitória do Hamas, um movimento político islâmico que não separa a “Igreja do Estado”, o sentimento de grande parte da população palestina com o resultado das eleições traz expectativa de que os problemas gerados pela ocupação sejam tratados de outra maneira e que a própria busca por um Estado e o fim do conflito tenham novos caminhos. Noura Khouri, ativista palestino-americana que vive em Ramallah (Cisjordânia), diz que apesar das opiniões negativas que comentaristas políticos possam ter sobre a vitória do Hamas, o fato é que finalmente os palestinos fizeram o mundo ouvir a voz que emana dos territórios ocupados. “Se alguém perguntar para qualquer palestino na rua seu sentimento sobre a vitória do Hamas, talvez a única coisa com a qual ele vá concordar é sobre o orgulho que traz a candura renovadora dos novos participantes do processo eleitoral. A maneira com que os líderes do Hamas falam para a mídia sobre os assuntos que importam para o dia-a-dia dos palestinos, é como um sopro de ar fresco para todos nós”. Islâmicos na política O Hamas não é só um movimento islâmico. Eles vêm há tempos suprindo necessidades da população que eram deixadas de lado pela força principal da política palestina. Educação, saúde e outras ações assistenciais deram ao movimento islâmico grande parte da popularidade manifestada nas eleições. “Não se pode esquecer que o Hamas tem um enorme trabalho social, de construção de clínicas, de construção de obras de saneamento básico, coisas que a Autoridade Palestina nunca fez. Obviamente as pessoas se voltam para isso”, explica Paulo Hilu. A legitimidade que o Hamas ganha entre os palestinos pode ser comparada à posição que o Hizbolah ocupa na sociedade libanesa (conseguiu 90% dos votos nas seções eleitorais do sul do país), apesar de lá o controle do legislativo estar nas mãos do muçulmanos sunitas, com maiores ligações com a Europa e um sistema político secularizado. “O Hamas surge como alternativa. Tanto o Hamas e o Hizbolah nascem como movimentos sociais antes de fundamentalistas. São sociedades muçulmanas de beneficência, de ajuda social”, explica Cattani. Outro fator que pesou para a vitória do Hamas foi a imagem de integridade que sempre cultivou. Para Paulo Hilu, essa oposição de um movimento politicamente íntegro em oposição a uma Autoridade Palestina controlada pelo Fatah corrupta, foi uma das bases para a maioria conquistada no parlamento. “A recusa aos acordos de Oslo, em oposição à AP, que se viu de certa maneira afundada até o pescoço no pantanal de negociações que não levou a lugar nenhum. Isso é uma ironia, pois a própria posição de Israel em se recusar a implementar os acordos que negociava com a Autoridade Palestina por causa da violência do Hamas, acabou dando ao Hamas um poder para dar um rumo para as negociações”. a posição dos vizinhos O Hamas se elegeu e logo se viu cercado por uma série de ameaça de boicotes por parte de países europeus e de Israel, que controla a receita que se origina nas fronteiras dos territórios. A Palestina, então, terá que recorrer aos países vizinhos, mas isso não é garantia de ajuda. “A posição dos países árabes é sempre muito ambígua. O Egito, por exemplo, não tem nenhum interesse no governo do Hamas, uma vez que tem problemas com a própria Irmandade Muçulmana dentro do Egito. A Arábia Saudita tem todo o interesse em ajudar o Hamas, pois o tipo de islã que o Hamas veicula é um islã muito próximo do wahbismo saudita”, diz Hilu. Apesar da expectativa de mudança, mas com as limitações financeiras, Hilu acredita que o Hamas pode frustrar a população que o elegeu. “No caso da Jordânia, por exemplo, a Irmandade Muçulmana, nas primeiras eleições legislativas, em 1994, ganhou um terço do parlamento. Já nas eleições seguintes, caiu para dez por cento”.