Jovens se organizam e tem consciência de seu papel
Parte da juventude palestina no Brasil se mobiliza; diretora da nova Fepal vê na formação das novas gerações na diáspora a única possibilidade de os palestinos conseguirem derrotar políticas israelenses de destruição da PalestinaAs faces ganham contornos árabes, o corpo, movimentos palestinos. Diante da platéia, garotos e garotas, jovens homens e mulheres que já compõem a terceira geração de palestinos no Brasil demonstram que de alguma forma ela existe livre de amarras. Hoje, um dos maiores medos de gerações mais antigas de palestinos, que sempre estiveram mais diretamente ligados à luta da causa, é a de que essa identidade se dilua e perca-se em meio à cultura brasileira. Essa foi uma das preocupações centrais nos debates do 9º Congresso das Comunidades Palestinas no Brasil. Por isso, investir em encontros, que incluem dança e música, e no ensino do árabe, tornaram-se preocupações que antes não eram tão centrais para a comunidade palestina no Brasil. Um dos exemplos foi a apresentação do Grupo Terra, coordenado por Soraya Baja, palestina da primeira geração nascida no Brasil. Ela não tem formação de dança, mas aprendeu essa manifestação da identidade palestina em encontros de grupos folclóricos. “É uma coisa que nunca esqueci”. O Grupo Terra existe há dois anos e começou por acaso. “Haveria um evento em Gramado e pediram à presidente da Associação em Sapucaia que arrumasse um grupo em cima da hora. Como ela já sabia que eu tinha dançado, em dias montamos o grupo e hoje estamos aí”, explica Soraya. Essas atividades alimentam e mantêm a memória clara e consolidada do que seria a Palestina, suas práticas sociais e culturais. Se imigrantes ou exilados, no caso dos palestinos, não cultivarem tradições, corre-se o risco de enfraquecer a identidade. “O problema, por exemplo, é que você tem as etnias alemã, italiana, árabe, e se você não busca a raiz delas, ela não desaparece, mas perde intensidade. Havia meninas que tinham contatos com palestinos, mas não com o folclore. A dança ajuda a se aproximar do folclore, dos costumes”. Jamile Latif, presidente de mesa do Congresso e eleita como diretora jurídica da Fepal (Federação das Entidades Palestinas), acredita que deve ser ensinado aos jovens na diáspora a defender a Palestina, a posicionar-se diante das imagens que são construídas sobre a história do conflito e dominam o sendo comum. Cada palestino deve estar apto a argumentar diante de uma massa crítica que dá suporte à ocupação israelense. “Precisamos ter estrutura de conhecimento e formar nossos jovens. Temos que ensinar o seguinte: ‘Você é palestino, você tem a obrigação de saber toda a história de seu povo. E quando alguém te abordar e falar que você é terrorista, você precisa responder’. Não estamos sabendo responder a isso. Nós temos a lógica, a história, a justiça. Lembrar a nossa história e formar a nossa juventude é nossa única forma de vitória. Para evitar que alguém fale ‘vocês não podem ser violentos’, precisamos dizer: ‘olha aqui, sofremos com checkpoint, casa demolida, criança que vai pegar o livro da escola embaixo da casa demolida. A média das pessoas não sabem que nós ficamos sem água, não sabem que a água palestina não é subsidiada, é caríssima, não sabem que nossas casas fedem. Nossa vida lá é um inferno’. Isso a gente não pode perder. Temos que lembrar isso todo dia. Palestino tem que ser exemplo”. A diretora da Fepal acredita que essa formação seria uma maneira efetiva para desmascarar a massa de informação que foi construída sobre o conflito. “Alguém usurpou o direito do outro. Essa história precisa ser conhecida, sem máscaras. A partir do momento que a gente entende o problema de fato, sem adjetivos, quais são os fatos, aí sim é possível tomar as decisões em cima do que é justo. Pois o lado hegemônico, usurpador, não narra fatos. Ele conta preconceitos e usa adjetivos, não narra. É preciso conhecer, estudar e entender as motivações humanas que levam o conflito aos dois lados”. A CARTA DOS JOVENS Durante o 9º Congresso Das Comunidades Palestinas no Brasil, os jovens não se limitaram a dançar e ser objeto das discussões dos mais velhos. Eles também tiveram voz. Durante os três dias do Congresso, mantiveram um encontro permanente na sala do Encontro Jovem. Ali havia dança, música e, também, debate. No fim do evento, foram à plenária e leram uma carta para expressar a opinião que surgiu dessas discussões. Ali, colocaram o que eles acreditam ser seu papel, como parte da diáspora no Brasil, dentro da luta global pela Palestina. Pediram recursos para que possam manter atividades dedicadas à cultura palestina. Também não faltaram críticas a posturas da comunidade. Abaixo, trecho da carta: “Sabemos que precisamos de sua experiência para que possamos trazer a vida do povo palestino. Mas precisam entender o que são nossas referências. Por isso nos entristece ver a falta de harmonia, que não será válida para nosso futuro. Queremos uma comunidade na qual não tenhamos que nos inibir por diferenças familiares ou de pensamento. Não queremos ser separados por brigas políticas. Desejamos que esse vazio que nos acompanha seja preenchido por formação e cultura. Para nós, o coletivo é o que importa, mesmo que nos nossos grupos existam dificuldades e diferenças. Se nos colocam tantas responsabilidades, queremos condições para desempenhar nosso papel. Precisamos que nos direcionem mais tempo e dinheiro, com ajuda de custo mensal para o grupo jovem de cada comunidade. Precisamos de apoio e um ambiente que possa progredir com diferentes idéias e mesmo ideais. Precisamos que nos ouçam e nos dêem sua palavra”.