Príncipe jordaniano teme por um ataque ao Irã e diz que desigualdade é motor de conflitos na região
Veja aqui os principais pontos da entrevista coletiva do príncipe El Hassan bin TalalO príncipe El Hassan bin Talal, parte da realeza da Jordânia, veio ao Brasil na última semana e passou por Brasília e São Paulo, onde participou da conferência “Principais problemas de uma Agenda Global”, na UniFMU. Hassan, parte do que se diz ser a 42ª geração descendente direta do profeta Muhammad, fez visitas e conversou com organizações ligadas à comunidade árabe. O príncipe, um dos conselheiros do irmão Hussein durante seu governo de 1953 até 1999, quando faleceu, veio estreitar e fortalecer o que, segundo ele mesmo, considerava quase impossível até recentemente: a relação entre latino-americanos e árabes. Para ele, as comunidades do Levante precisam ter uma ligação maior com o Brasil. “Agora, em um momento em que tentamos aproximar os laços entre América Latina e a Ásia ocidental, uma ligação Sul-Sul, uma ligação que há alguns anos atrás não esperaríamos e agora nos surpreende. Essa ligação, pela perspectiva de Washington, desafia os poderes do país que está envolvido em equívocos e aventuras equivocadas na região”. Hassan bin Talal é presidente do Clube de Roma e em sua passagem pelo país promoveu grande parte das idéias que nascem nesse “think tank” que busca alternativas para o desenvolvimento sustentável da região do Oriente Médio. Hassan falou sobre a péssima distribuição de renda dos países da Ásia ocidental e explicou que, para ele, esse é o grande motor dos atuais conflitos. Para acabar com a violência, não basta acabar, por exemplo, com a Al-Qaeda. O príncipe também analisou o conflito na Palestina, a tensão atual com o Irã, a invasão e os problemas do Iraque. E sempre que abordava ou questões políticas ou econômicas, não se cansou de repetir uma palavra: multilateralismo. Durante o governo de seu irmão, reafirmado por seu sobrinho, o atual rei Abdullah II, a Jordânia criou relações próximas com os Estados Unidos e pode ser considerado, ao lado do Egito, parceiro de confiança da potência. Como Hassan disse, a “Jordânia pode continuar a ser um intermediário responsável nas conversas entre israelenses e palestinos”. Com Israel, o país tem um tratado de paz, acordado pelo rei Hussein e o primeiro-ministro israelense Ytzhak Rabin em julho de 1994. A Jordânia, por outro lado, foi o país que mais recebeu a população palestina de refugiados. Da população de 10 milhões de palestinos que se acredita que exista hoje no mundo, a Jordânia tem hoje cerca de 3 milhões (27%), entre refugiados e descendentes. Apesar de ser parte da família real e ter parte de responsabilidade nas políticas que a atual Jordânia leva adiante, o príncipe não se esquivou de fazer críticas à atuação das potências e teme um quadro ainda mais caótico com a escalada de violência entre Irã e Estados Unidos. Hassan prevê rios de sangue. FALTA DE PERSPECTIVAS: O MOTOR DOS CONFLITOS Para Hassan, o principal problema na região é a distribuição das riquezas da região. Segundo ele, há cerca de um trilhão de dólares depositados em bancos que correspondem ao conjunto dos ganhos de países, com o petróleo principalmente. “As pessoas perderam qualquer perspectiva de vida, e assim, vão se voltar para a violência”. A Jordânia não desfruta das benesses do petróleo e tem uma situação social problemática (está em 90º no Índice de Desenvolvimento Humano). A família real deve ter problemas em aplicar políticas na própria casa. Em grande parte, as idéias de Hassan nascem dos relatórios que estudiosos fazem no Clube de Roma. Segundo ele, o mundo árabe como um todo precisaria criar cerca de 1 bilhão de empregos nos próximos 20 anos para aplacar a situação social explosiva da região. Hassan explica que é necessário que se leve esses estudos a sério. “É uma questão de fazer alguma coisa a respeito antes que seja tarde demais. De aliviar o sofrimento do homem e do ambiente, de iniciar o progresso em níveis regionais. Por isso falo na criação de blocos regionais, institucionalizando blocos regionais e capacidades regionais. Nossos problemas não podem ser resolvidos nos escritórios em Nova York, durante as temporadas de setembro e outubro, nos encontros de instituições que não foram revisadas em mais de meio século”. Para Hassan, as idéias que ordenam as linhas dos ‘escritórios’ são as pensadas em Bretton Woods, em 1944. O PROBLEMA IRÃ x ESTADOS UNIDOS Hassan não é contra a influência dos Estados Unidos na região, como a política da Jordânia pode dar sinais, mas ele acredita que a postura da potência deve ser diferente. Falou que a ONU deve ser reformada e que o que vale para os árabes e islâmicos deve valer para Estados Unidos e Reino Unido. A preocupação de Hassan em salvaguardar o Irã de um ataque tem justificativa: para ele, se o ataque for feito, a revolta na região atingirá níveis incontroláveis, do sul ao leste da Ásia. “Estamos em um quadro de perspectivas alarmantes, de uma guerra civil sectária que pode ter conseqüências desastrosas. Uma região que apresenta a maior parte das reservas de petróleo do mundo e grande parte das reservas de gás”. Ele, que acredita que a cada dia se dá um passo para um ataque ao Irã, diz que isso criaria um “sentimento geral de guerra e teria conseqüências verdadeiramente desastrosas. O conflito em si, com suas armas não convencionais, tanto por parte do Irã, mas também de uma frente de ataque, não terá apenas conseqüências nucleares, biológicas, ou químicas, mas cobrirá a região de rios de sangue”. O quadro apocalíptico descrito poderia ser evitado com profundas reformas na ONU, ou seja, regras mais claras e garantias de que o que vale de um lado, vale do outro. “Precisamos de um novo sistema de supervisão de armas nucleares. Precisamos de uma ONU reformada. Os Estados Unidos e o Reino Unido devem obedecer às mesmas regras de supervisão. Do contrário, isso mina qualquer sentimento de confiança e cria um clima de mútua destruição”. Para Hassan, o exemplo da polarização entre Estados Unidos e Irã é o próprio retrato da ação de dois extremismos que causa profunda instabilidade na região. Por um lado, os chamados lutadores internacionais, grupos islâmicos que agem por todo o Oriente Médio.“Não é possível que eles continuem a explorar a situação. Eles inclusive ameaçam outros grupos islâmicos, não aceitam relações entre o Hizbolah (xiita) e o Hamas (sunita). Seu objetivo é criar instabilidade na região”. Do outro lado, a presença de interesses de países ocidentais não medem custos. “Nos eventos recentes dos últimos dois meses, das caricaturas dinamarquesas. Se pergunte por que os quatro ou cinco itens de notícias relatando a nossa parte do mundo são todas provocativas: o ataque israelense na prisão palestina, a retirada dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, por que todos estão levantando esses assuntos na imprensa e quem são os beneficiados? Claramente a polaridade entre Estados Unidos e Irã deve ser contida. E nesse sentido, acho que o extremismo nos dois lados está levando a uma confrontação, um convite, e esse é o pesadelo que vivemos hoje. O que é requerido é uma conferência para segurança e cooperação para Ásia, um pacto de estabilidade para a região, um fundo de estabilização regional, uma coalizão”. A AL-QAEDA NÃO É O ÚNICO PROBLEMA Acabar com a Al-Qaeda não resolve o problema no Oriente Médio e não acaba com o terrorismo. “A Al-Qaeda é o sintoma, mas o mal é a falta de uma autoridade legítima, uma voz legítima, por causa do unilateralismo que existe, por causa da extensiva unilateralidade protecionista”. Hassan esclarece que dizer que acabar com a Al-Qaeda por ações preventivas não é suficiente. “Há que se desenvolver uma fórmula para a paz no Iraque. Você acaba com a Al-Qaeda se dirigindo aos assuntos políticos, no Iraque, na Palestina. No Iraque, eles têm um governo e um parlamento, mas a questão é que margem de liberdade eles terão no Iraque para implementar políticas de distribuição econômica”. A pergunta poderia ser: Como fazer distribuição de riqueza em um cenário de governos autoritários, fundamentalismo político e neocolonialismo estadunidense? Para Hassan, é quase impossível imaginar isso acontecer. Mas, por outro lado, ele permanece otimista. “Em 1988, o parlamento japonês - e o Japão é um grande importador de petróleo, eles praticamente não tem petróleo ou qualquer fonte alternativa - disse que não pode haver estabilidade por petróleo sem estabilidade para a região do Oriente Médio. Estavam se referindo ao Irã e aos países do Levante. Isso é uma grande superpotência dizendo ‘vamos olhar para a estabilização da região’. Corporações e outros têm que entender que a estabilidade não se faz construindo dutos de petróleo, mas dando estabilidade para as pessoas que vivem perto desses dutos. E nesse sentido, a cooperação entre países, e aí vamos remover as ‘marcas’ como árabes, Israel, Palestina, Turquia, Pérsia. O principal é que juntos nós sobrevivemos e juntos nós caímos. O sul da Ásia, com Índia e Paquistão, tiveram três guerras e, ainda assim, há o conceito de cooperação sul-asiática, que engloba assuntos como energia e plano social. É muito pedir isso para nossa região? Eles falam de um seminário-conferência de países árabes no final desse mês. Espero que esse assunto possa ser revisitado. Mas acho que essencialmente é questão de sair da lama da cooperação unilateral, de como fico com os Estados Unidos ou com o G8, e desenvolver um novo projeto, um conceito com o qual todos estejamos comprometidos”.