Um Iraque longe de qualquer possibilidade de recuperação
Um retrato da sociedade iraquiana após três anos de ocupação dos Estados Unidos, um país além de qualquer possibilidade de recuperação.por Claudia G. S. Martins* Cenário, o norte do Iraque, com suas riquíssimas jazidas de petróleo na região de Kirkuk, habitada majoritariamente pelos curdos. Em comparação a outras áreas, é relativamente mais seguro morar por lá. No entanto, embates políticos travam-se com a mesma intensidade que em outros locais. Durante a ditadura de Saddam Hussein, - brutal, despótica e conduzida com mão de ferro - o país ainda gozava de relativa liberdade, desde que não interferisse na cobiça pelo poder, que sempre norteou a política do ex-ditador. Em 35 anos, foram cometidos muito menos assassinatos, prisões e seqüestros do que durante três anos de ocupação americana. Os recursos petrolíferos, no entanto, eram explorados até a exaustão dos poços, comprometendo a recuperação secundária e terciária, mesmo com o emprego de sofisticada tecnologia. O petróleo deveria gerar lucros mesmo que levasse à exaustão prematura das jazidas. A repressão instalada no Iraque, depois da ocupação norte-americana e levada a cabo pelos líderes alçados ao poder - xiitas radicais, clérigos ou seculares - instalou um regime de terror, principalmente contra os sunitas, que são assassinados, presos, seqüestrados, torturados e não têm poder de decisão. Líderes religiosos agem com a máxima crueldade, tentando eliminar qualquer oposição. Como definiu um muçulmano sunita secular - o país está além de qualquer recuperação, o modelo de democracia ocidental simplesmente não funciona no Oriente Médio. O que mais surpreende é o apoio irrestrito dado pelo governo norte-americano a estes mesmos governantes locais, com ligações profundas com o Irã, que é a peça chave para entender os desdobramentos da guerra. O Iraque é fundamental na geopolítica de três países: EUA, Irã e Israel. Todos os três lucrariam com sua eliminação. Os EUA teriam mais fácil acesso ao petróleo da área, o Irã formalizaria o prolongamento de seu governo teocrático xiita e Israel é o mais intrigante deles. Segundo fontes no Iraque, a suposta guerra verbal entre Irã e Israel não passa de jogo de cena local, para agradar platéias, sendo que nenhum atacaria o outro. Irã e Israel são as duas maiores potências militares na região e os EUA não teriam nada a ganhar atacando o Irã. Voltando ao Iraque. Já no tempo de Saddam Hussein, os curdos, ao norte, juntamente com os xiitas, eram a parcela mais rica da população e dominavam os cargos mais estratégicos no governo. Era a recompensa para Saddam Hussein fazer o que quisesse e se perpetuar no poder. A maioria dos atentados visando eliminá-lo partia dos sunitas desalojados do poder e Saddam, apesar de ser um deles, não hesitava em praticar a mais violenta repressão quando um novo complô era descoberto. O que choca é ouvir dos próprios iraquianos que a CIA trabalhava para Saddam Hussein, descobrindo quem tencionava matá-lo ou depô-lo e entregava os nomes ao próprio ditador. É o que se chama de 'covert actions' no linguajar do serviço de Inteligência. Ainda sob Saddam Hussein, o Iraque era um país com bons recursos médicos, agora destruídos. O governo financiava os estudos de seus habitantes e os que tinham doutoramento estavam com emprego garantido. Hoje os portadores de títulos de PhD encontram-se desempregados, os serviços médicos regrediram a níveis inimagináveis e as gangs de delinquentes ligados `as drogas, praticamente inexistentes há algum tempo atrás, tornaram-se banais. O governo atual, dominado pelo xiitas com o suporte dos EUA, arregimenta as temíveis milícias que matam, seqüestram e pedem resgate. Parte dos lucros fica com os próprios organizadores instalados no poder. É um negócio rendoso, juntamente com cerca de 300.000 barris de óleo cru que são roubados por dia e vendidos no mercado paralelo, além do saque sistemático de sítios arqueológicos para serem vendidos no exterior. O país está sendo destruído brutal e sistematicamente e parece que após a farsa das eleições, onde centenas de milhares de iranianos com títulos de eleitor falsos entraram no país clandestinamente ajudaram a eleger exatamente os candidatos que estão no poder. O país, em palavras de seus cidadãos, atinge um estágio que está além de qualquer possibilidade de recuperação. * A autora do texto é pesquisadora em religiões comparadas e escreve sobre diálogo interreligioso e resolução de conflitos além de assuntos da área de política internacional.