Tunísia: cinco anos de revolução
Eventos ocorridos no mês de aniversário da chamada Revolução de Jasmim, porém, mostram que um processo revolucionário não ocorre do dia para noite, e que a Tunísia ainda tem um longo caminho a percorrer na busca da estabilidade política, econômica e social. O ano começou logo com um racha no partido do governo, com a saída de vários parlamentares, e com a explosão de protestos populares por mais empregos.
As manifestações lembraram os acontecimentos que levaram ao levante de 2011, pois tomaram força após a morte de um jovem desempregado, Ridha Yahyaoui, de 28 anos, eletrocutado ao subir num poste para protestar contra sua remoção de uma lista de contratações do serviço público em Kasserine, na região Centro-Oeste do país. Em 17 de dezembro de 2010, o vendedor ambulante Mohamed Bouazizi se imolou após ter tido suas mercadorias apreendidas, e sua morte, em 04 de janeiro de 2011, foi o estopim da revolução tunisiana.
O desemprego na Tunísia está acima de 15% e atinge principalmente os jovens, muitos deles com diplomas universitários. “Após a revolução, as reivindicações e protestos sociais não cessaram mais”, disse o embaixador da Tunísia no Brasil, Sabri Bachtobji, à ANBA por e-mail. “Lembre-se que o slogan entoado pelo povo tunisiano durante a revolução era: trabalho, liberdade e dignidade. Se a liberdade já é uma conquista irreversível, um esforço considerável é necessário para incentivar a criação de empregos e a mobilização de recursos para este fim”, acrescentou o diplomata.
Analistas de política e economia internacional reconhecem que a Tunísia avançou sob o ponto de vista das liberdades. “Poder protestar e (o país) manter as regras democráticas significa um grande avanço”, disse o professor de Economia Internacional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Antonio Carlos Alves dos Santos.
Na avaliação da professora de Relações Internacionais da Universidade do Vale dos Sinos (Unisinos) e da UniRitter, ambas do Rio Grande do Sul, Sílvia Ferabolli, a existência de entidades da sociedade civil estruturadas, como sindicatos e organizações de defesa dos direitos civis, mesmo antes da revolução, “permitiu um movimento de transição de maneira mais calma” do que o ocorrido em outros países da Primavera Árabe.
Prova disso é o papel desempenhado pelo Quarteto para o Diálogo Nacional da Tunísia na mediação entre as diferentes forças políticas do país, que resultou nas eleições parlamentares e presidenciais de 2014 e na formação do governo atual. O grupo é formado pela União Geral Tunisiana do Trabalho (UGTT), União Tunisiana da Indústria Comércio e Artesanato (Utica), Liga Tunisiana de Defesa dos Direitos Humanos (LTDH) e Ordem Nacional dos Advogados da Tunísia (ONAT), e ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 2015 por sua atuação no processo de transição. “Isso não significa que estas associações possam por si só dar resposta a todos os problemas”, destacou Ferabolli.
Choques
Em sua última avaliação sobre o país, o Fundo Monetário Internacional (FMI) destacou os esforços do governo para manter a estabilidade macroeconômica, com a adoção de políticas e reformas que, na avaliação do Fundo, podem resultar num crescimento maior e mais inclusivo “num ambiente global e regional difícil”. A instituição ressalta, porém, que “a atividade econômica enfraqueceu sob o impacto de choques negativos”.
E alguns choques foram de fato arrasadores. No primeiro semestre de 2015, a Tunísia estremeceu com os atentados terroristas com várias mortes no Museu do Bardo, em Túnis, e no balneário de Sousse. Isso atingiu em cheio a indústria do Turismo, umas das principais fontes de divisas do país e fez com que o governo reduzisse a perspectiva de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 3% para 0,5% no ano passado. A previsão para este ano é de um avanço de 2,5%. “O golpe duro dado no turismo pelos atentados terroristas no ano passado não facilitam esta tarefa (de criar empregos)”, declarou o embaixador Bachtobji.
Santos, da PUC-SP, acrescenta que a Tunísia sofre também com os problemas econômicos que atingem outros países da região do Mediterrâneo, como Portugal, Espanha e Grécia. Ferabolli acrescenta que desde 1995 a Tunísia aderiu com entusiasmo à iniciativa Euromed, de cooperação entre os países mediterrâneos, que inclui um acordo de associação entre o país árabe e a União Europeia, e sua economia, que já tinha ligações fortes com os europeus em função do histórico colonial, tornou-se ainda mais atrelada à Europa.
Com a crise na Zona do Euro, segundo a professora, a Tunísia “tem dificuldades em dar ela mesma respostas rápidas” aos seus problemas econômicos.
Após os protestos de janeiro deste ano, o governo se apressou em apresentar uma série de medidas para combater o desemprego. De acordo com o embaixador, entre elas está a contratação de 23 mil desempregados por meio de concurso, a integração de cerca de 30 mil jovens ao exército, implementação de um programa que prevê a contratação de pelo menos um desempregado de cada família carente, a realização de um acordo com a Utica com vistas a criar 50 mil empregos e outras.
Na avaliação de Ferabolli, em momentos de crise, desde o “New Deal” norte-americano, é função do Estado assumir esta posição de “carro chefe” do desenvolvimento econômico, mas tanto ela quanto Santos alertam para os perigos dos excessos na administração deste remédio, que pode resultar em desequilíbrio fiscal, inchaço da máquina pública e outros problemas que acabam por minar o desenvolvimento do setor produtivo. “O foco deve ser em criar condições para o desenvolvimento do setor privado”, destacou Santos.
Bachtobji lembrou que recentemente a Utica, entidade patronal, e a UGTT, central sindical, chegaram a um acordo sobre o aumento de salários na esfera privada.
Incentivos
Para Santos, os países europeus têm que ajudar a Tunísia neste momento, mesmo com problemas em suas próprias economias, por meio de investimentos e de incentivo ao turismo, pois a estabilidade do país é de interesse do continente. “Caso não se preocupe, a Europa pode pagar um preço alto”, declarou. Como exemplo, ele citou o alto custo político e econômico causado pelo fluxo de imigrantes do Oriente Médio e da África para a Europa. “Acho que os europeus aprenderam a lição, que sai mais barato garantir a estabilidade política e econômica [de países em desenvolvimento em dificuldades] do que gerar uma crise como a [dos refugiados] da Síria”, acrescentou.
Além disso, Santos acrescentou que a Tunísia é amigável aos investimentos externos, goza de estabilidade no contexto da região e é um país pequeno, então não demanda enormes volumes de recursos.
Para ele, a forma mais rápida de criar empregos e atrair divisas é incentivar o turismo. O professor acredita que a Tunísia tem condições de se tornar novamente atrativa para o turismo no médio prazo, e cita como exemplo a Colômbia, país que em décadas passadas foi assolado pela extrema violência das quadrilhas de traficantes e das guerrilhas, mas que hoje atrai visitantes e negócios. “A Colômbia refez sua imagem e hoje tem no turismo uma parte importante de sua economia”, afirmou.
Ferabolli acredita que a diversificação das relações econômicas também é importante, e cita a iniciativa da Cúpula América do Sul-Países Árabes (Aspa) como relevante neste sentido, inclusive para atrair turistas do Brasil e do dos demais países sul-americanos. O embaixador revelou que a Departamento Nacional de Turismo Tunisiano (ONTT, na sigla em francês) vai participar pela primeira vez da feira do setor World Travel Market Latin America, que será realizada em São Paulo no final de março.
Os desafios que a Tunísia ainda precisará enfrentar nas searas política, econômica, social e de segurança, porém, não deverão impedir o processo rumo à consolidação democrática. “O espaço da liberdade foi conquistado e uma revolução é entendida pela ruptura que ela opera nas velhas maneiras de governar e de pensar”, observou o embaixador. “Não se resolve estes problemas no curto prazo”, opinou Santos, acrescentando que o grande atrativo da Tunísia é ela ter conseguido até agora produzir e fortalecer o processo democrático. “Uma revolução não é um ato, é um processo, tem avanços e retrocessos. Pode ser que ocorra algum retrocesso, mas não um retorno ao estágio anterior. As pessoas viram que a mobilização popular é capaz de operar mudanças, então [o país] não volta mais para trás”, concluiu Ferabolli.