Unrwa quer mais cooperação do Brasil
Krähenbühl esteve em Brasília e em São Paulo entre os dias 06 e 08. Foi a primeira visita do diplomata ao Brasil desde que ele assumiu o cargo na agência, em março de 2014. Durante sua passagem pelo País, ele encontrou-se com Mauro Vieira, ministro das Relações Exteriores do Brasil, Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, e Eduardo Suplicy, secretário de Direitos Humanos e Cidadania do Município de São Paulo, entre outros membros do governo federal e paulistano.
Ele também participou da abertura da exposição A Longa Jornada na capital federal. A exibição, que já passou por São Paulo, traz fotos e vídeos do arquivo da agência mostrando a vida dos refugiados palestinos desde 1948. Com a prefeitura paulista foi assinado um memorando de entendimento para cooperações futuras em eventos e ações de captação de recursos para a agência.
Em entrevista exclusiva à reportagem da ANBA, Krähenbühl contou que espera que as doações do Brasil à agência tornem-se regulares, já que o país vem oferecendo importantes contribuições aos refugiados da Palestina. Ele também pretende que o Brasil possa se dedicar a um tema específico dentro da Comissão Consultiva da agência, órgão do qual o País passou a ser membro em dezembro do último ano.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
ANBA - Quais foram os principais temas discutidos em suas reuniões com as autoridades brasileiras?
Krähenbühl - O principal objetivo era mostrar ao Brasil o quanto valorizamos o desenvolvimento das relações nos últimos quatro a cinco anos. O Brasil realmente começou a se comprometer conosco, com um mix de apoio na área de educação e assistência alimentar. No ano passado, recebemos uma grande doação de arroz que nos ajudou a cobrir todas as necessidades que tínhamos no Oriente Médio.
E naquele ano o Brasil se tornou o primeiro país da América Latina e dos BRICs a integrar a Comissão Consultiva da Unrwa, onde sentam os estados membros da região, além de nossos grandes parceiros e doadores. Então, ter a voz do Brasil lá dentro foi algo muito significativo.
Um dos desenvolvimentos futuros que eu gostaria muito de ver é uma contribuição financeira mais frequente para Unrwa. Digo isso porque a Unrwa tem comprometimento muito grande, por exemplo, no campo da educação.
Gerenciamos 700 escolas para 500 mil meninos e meninas no Oriente Médio. Nosso sistema educacional é do tamanho de uma cidade como São Francisco, nos Estados Unidos. É um grande compromisso. Para isso, precisamos de apoio frequente e penso que, com o foco do Brasil nos direitos humanos e em educação, devemos estar aptos a construir uma nova fase.
Há seis meses o Brasil assumiu sua posição na Comissão Consultiva da Unrwa. O que o senhor já pode dizer sobre a atuação do País no órgão?
O que eu vejo do embaixador do Brasil em Ramallah, Paulo França, que é o representante lá [na Comissão Consultiva] é que temos alguém incrivelmente engajado conosco.
Encontro com ele regularmente. Ele é muito interessado pela situação. Ele e o Brasil procuraram maneiras de apoiar [a Unrwa] nos conflitos em Gaza, no último verão, e agora com a Síria [em relação aos refugiados palestinos naquele país].
O que eu estou procurando é encontrar um tema que o Brasil gostasse de promover ativamente dentro da Comissão Consultiva. Para mim, eu vejo a questão dos direitos humanos e da educação como um tema muito central.
A presidente [Dilma] Rousseff é muito engajada nas questões de educação e a Unrwa tem uma grande base nisso, porque estamos investindo há décadas na educação dos refugiados palestinos. Então, queremos encontrar um tema que o Brasil possa desenvolver.
O outro país eleito para a Comissão Consultiva foi os Emirados Árabes Unidos. Como você avalia o papel dos países árabes no apoio do trabalho da Unrwa?
Para começar, a relação com os Emirados é muito interessante e dinâmica. Estive recentemente em Abu Dhabi e Dubai para diversas reuniões com autoridades do governo.
Ano passado, os Emirados fizeram contribuições muito generosas para o nosso trabalho em Gaza e estamos vendo maneiras de desenvolver mais isso. Penso que é muito interessante ver um engajamento mais forte [dos países árabes].
A Arábia Saudita é um doador muito ativo. Hoje, a Arábia Saudita é o terceiro maior doador da Unrwa e os Emirados são o sétimo. O Kuwait é outro país de onde temos tido contribuições frequentes e muito positivas para nossa organização. É nossa prioridade continuar a gerar esse senso de solidariedade no mundo árabe.
Quais as particularidades da atuação dos países árabes no apoio oferecido aos refugiados palestinos?
Eles têm focado na reconstrução e construção em geral. Em Gaza, os Emirados e a Arábia Saudita foram responsáveis pela reconstrução, não neste último conflito, mas no anterior, em Gaza, das vizinhanças. [As casas] foram reconstruídos para os refugiados palestinos pelos Emirados e pela Arábia Saudita. Eles também têm um grande interesse em questões de saúde. Tivemos um investimento pessoal de um ministro de Abu Dhabi em projetos de saúde na Cisjordânia, por exemplo. Então, estes são assuntos muito significativos e vamos continuar trabalhando com eles.
Quais são os maiores doadores da Unrwa atualmente?
Os Estados Unidos são os maiores doadores individuais, seguidos pela União Europeia. Depois, vem a Arábia Saudita e então outros importantes países, como Suécia, Reino Unido, Japão, Noruega e Alemanha.
Para mim, é estrategicamente importante que este grupo esteja geograficamente diversificado. A presença de países árabes é importante por causa desta ligação próxima de solidariedade com os refugiados palestinos. Mas é muito importante que a América Latina tenha uma base forte porque há uma forte presença de comunidades árabes aqui no Brasil, mas também no Chile e outros países.
Às vezes, os países se preocupam para onde vai o dinheiro se fizerem a doação para a agência. O que recebemos vai diretamente para os refugiados palestinos porque não temos parceiros de implementação, fazemos o trabalho diretamente. Há 30 mil funcionários na Unrwa. É a maior agência da ONU em termos de funcionários e 98% são palestinos. Há uma conexão direta com a comunidade, não há intermediários.
Como funciona o trabalho de conscientização nos países doadores para que a população daqueles países conheça a situação dos refugiados palestinos?
É uma boa pergunta porque somos desafiados pelo fato de que focamos em pessoas com um problema que existe há 65 anos, sem solução política. Então, encontrar novas maneiras de falar sobre isso é um grande desafio.
Ao mesmo tempo você tem o foco internacional voltado a outras questões, como Síria, Iêmen, o terremoto no Nepal, ebola e outros. Então, é um desafio destacar esse assunto. E isso é o que a exposição de fotos nos permite fazer de um ângulo diferente.
O resto tem que ser o nosso jeito de comunicar. Tentamos garantir que a nossa comunicação sobre os refugiados palestinos não seja somente sobre números, que seja sobre pessoas porque no coração dessa questão há pessoas, há famílias como as nossas famílias, que sonham em ter uma vida normal, uma vida digna, uma vida em segurança, e elas não têm. Então, tento sempre abordar o que isso significa para cada família.
Eventos como os ataques israelenses à Gaza e a invasão pelo Estado Islâmico do campo de refugiados palestinos de Yarmouk, em Damasco, ganharam bastante cobertura da mídia. O que não está em destaque na imprensa sobre os refugiados palestinos, mas que você considera importante que as pessoas saibam?
Devemos tentar lembrar o que é para as pessoas ter seus direitos negados por tanto tempo. Só para dar um exemplo: a ocupação de Israel nos Territórios Palestinos começou em 1967. Eu nasci em 1966. Então, eu cresci, fui para a escola, fiz amigos, joguei futebol, viajei, fui para o ensino médio, a universidade, vim para a América Latina pela primeira vez aos 21 anos, comecei a trabalhar, entrei na Cruz Vermelha e trabalhei em diversos países. E digo isso não porque quero falar sobre mim mesmo, mas durante todo esse período, alguém que vivia em Nablus, Hebron, Jerusalém Oriental, Jenin, Jericó ou Ramallah, viveu esse tempo inteiro, no qual eu tive toda essa experiência, sob ocupação.
As pessoas tem que entender o que significa falta de liberdade de ir e vir, não ter como garantir que sua família tenha segurança ou um futuro decente e digno. Em todo esse período que eu cresci e passei por tudo aquilo, se eu tivesse nascido e crescido naquela região, minha vida teria sido completamente diferente. E eu digo isso não por minha causa, mas por causa dos refugiados palestinos. Eu digo para que as pessoas entendam o que significa não ter um emprego, não estar em segurança, não ser livre.
Estas são coisas sobre as quais as pessoas precisam refletir profundamente para entender que se você não tem essas coisas, é claro que você desenvolve ressentimento, desenvolve raiva e medo do futuro. E essa não é uma boa receita para relações pacíficas entre as pessoas.
O outro lado que eu acho muito importante que as pessoas entendam é que, por um lado, os refugiados palestinos são vítimas de uma enorme injustiça histórica. Mas eles também são atores de seus próprios destinos. Se você olhar as fotos em nossa mostra, vai ver que há professores da Unrwa, médicos da Unrwa, enfermeiras da Unrwa, e são todos palestinos. E o que há de bonito em sua contribuição é o que eles têm feito por gerações por outros palestinos.
É possível mensurar quanto dinheiro seria necessário para dar boas condições de vida a todos os cinco milhões de refugiados palestinos?
Não é possível mensurar. Mas, descrevendo o que gastamos agora com educação, serviços sociais, serviços de saúde, serviços de emergência, estamos gastando cerca de US$ 1,2 bilhão a US$ 1,3 bilhão por ano.
Para este ano, 2015, vão faltar cerca de US$ 100 milhões. Então, se pudéssemos pelo menos assegurar que iríamos cobrir esta lacuna de US$ 100 milhões para garantir todas estas necessidades e fazer os serviços, estaríamos mais ou menos em um mínimo decente.
Você trabalhou por muitos anos na Cruz Vermelha. Como esta experiência te ajuda no trabalho na Unrwa e o que você considera como seus principais desafios na agência?
Quando eu cheguei no ano passado a este cargo na Unrwa, nos meus primeiros três meses, o conflito em Gaza começou. E o que eu aprendi na Cruz Vermelha, como gerenciamento de crise, trabalhar em áreas de conflito, lidar com tudo relacionado a emergências, isso foi algo que eu pude trazer, além de lidar com pressões muito grandes.
O que aprendi e ainda estou aprendendo na Unrwa são duas grandes questões. Uma é trabalhar numa agência com uma causa tão forte relacionada a uma comunidade. E a presença e a força dessa causa, que também vive de algum modo nos funcionários da Unrwa, é algo que é muito único.
A outra coisa que também admiro muito na Unrwa é seu trabalho educacional. Quando você trabalha com educação, você olha o que há na pessoa além de ser um beneficiário de ajuda, você olha para a pessoa como um indivíduo cujas capacidades podem ser desenvolvidas. Com isso, você pode criar oportunidades futuras para a pessoa.