ICArabe promove palestras sobre cinema árabe e cobertura de guerras no Oriente Médio
Dois convidados falaram ao público esta semana na Livraria Martins Fontes, em São Paulo, no Ciclo de Conversas sobre Cultura Árabe e Islâmica, iniciativa do ICArabe em parceria com a livraria. Na terça-feira, Geraldo Adriano Godoy de Campos, curador da 11ª Mostra Mundo Árabe de Cinema (que começa dia 10), fez um panorama sobre o cinema árabe. Na quarta, o jornalista e ex-correspondente internacional do jornal Folha de São Paulo, Samy Adghirni.
Pesquisador da Cátedra Edward Said de Estudos Contemporâneos da Unifesp e professor de Sociologia das Relações Internacionais da ESPM, Geraldo tratou da diversidade do cinema árabe na atualidade. “Seria difícil unificar em uma definição só. Poderíamos falar em cinemas árabes e, não, em cinema árabe”, afirmou.
Geraldo discorreu sobre a dificuldade de caracterizar se um filme é árabe ou não, com base no local onde foi filmado ou na origem de seus produtores, por exemplo. “Todas essas questões são colocadas. A gente está falando de 22 países. É impossível pensar no cinema deles sem as dinâmicas geopolíticas”, afirmou. Um exemplo é o cinema palestino “que tem uma questão histórica particular: o exílio como questão central desde 1948.”
O curador também tratou dos estereótipos em relação ao cinema árabe, como baixa qualidade e pouca participação de mulheres, e a representação do mundo árabe no cinema ocidental. “Há produções riquíssimas em locais de conflito como Síria e Gaza. Se você for a festivais internacionais, a maioria dos produtores é composta por mulheres”, disse. “Há (no cinema ocidental) o que se chama de ‘Arabialândia’. Às vezes se fala que está no Afeganistão, mas foi gravado na Líbia. A ideia é criar um território homogêneo. O cinema árabe faz o contrário ao mostrar as particularidades e dar sentido aos espaços”, declarou.
A professora de francês Eliane Arakaki, que assistiu à palestra, contou ao Portal ICArabe sobre seu interesse pelo cinema do Oriente Médio. “O cinema árabe é muito difícil de ser mapeado pelas questões que foram levantadas na palestra, pela quantidade de países e a questão de existirem vários Estados e nações com características distintas”, afirmou.
O egípcio brasileiro Ahmed Hassanen, 64, elogiou o palestrante e o debate. “Geraldo é sábio com a cultura árabe. O cinema é como a literatura, um livro branco que pode conter todos esses conceitos culturais. Vamos entender quando assistirmos os filmes da Mostra”, disse ele que já esteve em praticamente todas as edições.
Jornalismo em zonas de guerra
Na quarta-feira (3), o jornalista Samy Adghirni falou sobre sua experiência cobrindo conflitos em países como a Líbia, Iraque, Síria e Palestina. Atualmente ele está na Venezuela e foi responsável pela notícia de que o governo venezuelano havia barrado a passagem de senadores brasileiros no ano passado.
“Se você não estiver inteiro para escrever, você não vai escrever. Primeiro você sobrevive e depois manda a matéria”, afirmou Adguirni sobre a dificuldade de cobrir os conflitos.
Conforme o jornalista, há pouco tempo para organizar a viagem devido à rapidez dos acontecimentos e a atual crise econômica faz hoje com que existam poucos correspondentes brasileiros. A sobrevivência nos locais depende dos chamados “fixers”, os guias que levam para os lugares e principalmente atravessam as fronteiras junto. “Um bom fixer resolve a sua vida. Um mau pode te colocar em um grande problema. Sai por $ 200 ao dia”, conta ele que disse já ter sua equipe enganada por quatro pessoas em um mesmo dia em meio a zonas de conflito. “É desesperador. Há a dificuldade com policiais mal intencionados, rebeldes tentando te extorquir. É preciso ter estômago. Nunca cobri cidades e de repente você está pisando em corpos. É fácil também adoecer por conta da situação precária. Jornalista é para mandar notícias, não virar a notícia”, brincou.
Questionado pela plateia sobre assaltos, ele afirma isto não ocorrer mesmo em meio à guerra. “Você vai morrer com um míssil, mas ninguém vai te roubar um relógio. Roubar é muito feio no Oriente Médio”, declarou.
Samy Adguirni ainda falou sobre o Irã, onde também já foi correspondente e sobre o qual escreveu o livro “Os Iranianos”. “O país mais estável (da região) é o Irã. É um Estado autoritário e o que mais se falar, mas é muito firme”, afirma. “As dificuldades eram muitas (na cobertura). É um Estado onipresente, tem uma guarda moral na rua, o Estado monitorando tudo o que você escreve”. Ele contou que, pouco antes de deixar o país, houve um colega preso pelo governo e que teve sua vida “arruinada”. “Você não pode fazer matéria sobre gays, mas pode fazer sobre o governo pagar operações de troca de sexo para quem nasceu no corpo errado”, critica.
A jornalista Cleni Leal, tia de Adguirni que estava na plateia, conta que seu trabalho no mundo árabe também é um retorno às origens, já que ele é filho de marroquino. “Acho fundamental trazer a cultura árabe (por meio de reportagens). De certa forma, a mídia ocidental não a reflete. Desde pequeno ele era aficionado pela cultura árabe e hoje pode contribuir para mostrar a verdade”, afirma.
O funcionário público Mauricio da Silva gostou da conferência. “Gosto muito da cultura árabe, um evento como este é fantástico. Como seria bom se as pessoas se interessassem mais pela cultura mundial, fossem atrás de quem conhece, de quem viveu nos lugares e pode mostrar um outro lado”, afirmou. “Não devemos acreditar em coisas mastigadas a respeito do mundo.
É importante buscar a sua própria identidade, a opinião de quem realmente sabe das coisas”, conclui.
A próximas palestra do Ciclo será realizada no dia 30, com o diretor de Comunicação do ICArabe, Arturo Hartmann, sobre a Palestina.