Sírios levam cultura árabe a brasileiros por meio do ensino da língua
Muitos sírios recomeçaram suas vidas no Brasil abandonando a forma de sustento que tinham em sua terra natal antes da guerra. Enquanto a gastronomia tem sido abraçada por árabes que se mudam para o país, outro ramo tem sido uma alternativa: o ensino da língua árabe para brasileiros.
É o caso de Ali Jeratli, 27, que se mudou para cá em 2014 e trabalhou como intérprete durante a Copa do Mundo. “Quando a guerra começou, o trabalho parou muito”, conta o sírio, que treinava funcionários em um hotel em Damasco e acabou sendo enviado para trabalhar em outros países por conta da debandada de turistas. Ele passou pelo Iraque, Turquia e, após não conseguir visto para a Europa, veio para o Brasil ao conseguir o visto mais rapidamente.
Recebeu formação, depois da Copa do Mundo, da instituição Abraço Cultural – que auxilia refugiados – e passou a dar aulas de árabe na entidade e também particulares. Mas logo ele se surpreendeu ao ver como seu país e o mundo árabe eram vistos pelos brasileiros. “Comecei a falar sobre o a língua árabe, a cultura árabe, o meu país e percebi uma opinião errada, de que é tudo bomba, mulher coberta, essas coisas”, afirma. “Falei: ‘agora tenho que colocar outro objetivo na minha mente, tenho que mostrar para as pessoas a Síria e a nossa cultura de verdade, que é muito rica, não como a mídia mostra. A mídia também mostra que o Brasil é só mulheres, que tem macacos nas ruas. Já em relação aos países árabes, é só deserto”, critica.
Mas Jeratli tem conseguido alcançar seu objetivo com o uso da mesma mídia, ao dar entrevistas e falar sobre o mundo árabe, e também por meio das aulas. “Foi uma surpresa muito grande quando comecei a conversar com as pessoas e várias delas mudaram de ideia, agora estão amando a Síria e os países árabes”, disse. Segundo ele, não há como a cultura não estar presente em suas aulas. “A primeira coisa na cultura é a língua. Quando estou ensinando, mostro vídeos, danças, roupas, comidas, (história da) caligrafia, várias coisas. Mostro as músicas (da cultura síria e árabe)”, declarou.
Jeratli deixou uma família de 18 tios na Síria e ainda não conseguiu trazê-la para o Brasil por ser muito grande. Atualmente, está feliz com a nova vida e brinca que não se sente como estrangeiro, mas como um brasileiro que fala com sotaque diferente. Sente que ajuda o seu país ao disseminar sua cultura.
É um caso parecido com o de Wessam Alkourdi, 33, que chegou ao Brasil no ano passado e também leciona, só que, no caso dele, são aulas de inglês. “Estou gostando muito da nova vida, meu filho está indo para a escola e está feliz”, diz ele, que também veio com a esposa. “Os brasileiros se mostram com muito interesse em estudar e compartilhar as culturas”, conta.
Tanto Ali quanto Wessam tiveram de passar por uma formação para a sala de aula antes de assumirem as novas ocupações. “Como é muito difícil legalizar o diploma aqui e há outras barreiras, como o preconceito, muitos acabam ficando desempregados”, conta a coordenadora da Abraço Cultural, Mariângela Gaberlini, entidade na qual eles obtiveram auxílio e que deu orientações de como montar um currículo e ir em entrevistas de emprego.
Para Mariângela, o contato entre professores e alunos acaba por mudar a relação dos brasileiros com a cultura árabe. “A gente vai criando uma empatia nos alunos e nos brasileiros, em geral. As pessoas conhecem a história de vida deles e veem que eles são pessoas como nós – que tem os mesmos sonhos, os mesmos planos – mas são forçadas a sair do seu país. Isso vai quebrando o preconceito e facilitando a integração deles na sociedade”, afirma.
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