Mulheres árabes e política inspiram artistas egípcios
O Festival Cultural Egípcio, que encerrou-se neste domingo (04) e contou com o apoio do ICArabe, trouxe à capital paulista obras de quatro artistas do país. Embora com estilos e vivências diferentes, três deles exploram temas em comum.
Por Thais Sousa/ANBA
É a primeira visita ao Brasil de três artistas egípcios que apresentaram suas obras numa exposição em São Paulo durante o Festival Cultural Egípcio, realizado de 22 de julho a 4 de agosto, com apoio do ICArabe. Além da nacionalidade e das descobertas em solo brasileiro, o trio tem mais em comum. Nas telas e papeis, temas como a política e a mulher árabe são partilhados e, às vezes, se misturam. Em entrevista à ANBA, os artistas contaram sobre seus processos de trabalho e os resultados em seus quadros.
Samar Kamel
Entre textos de colagens de jornais árabes e tinta, olhos de mulheres com véus miram quem passeia pela exposição, realizada no Club Homs. As obras são de Samar Kamel, egípcia que vive em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. “Também sou escritora. Escrevo e pinto sobre mulheres. Quero me colocar nisso. Sou feminista, quero colocar os sofrimentos, sentimentos e pensamentos. E sendo uma mulher do Oriente Médio, quero colocar todos os problemas”, conta ela sobre questões que vão desde problemas sociais até questões religiosos. “É por isso que dou o meu melhor nas telas.”
As obras expostas em São Paulo mostram a mistura de materiais e de possibilidades. Pinturas com “impasto”, técnica em que a tinta é aplicada em camadas muito grossas, e colagem. “Eu amo usar técnicas mistas. Gosto que tenha diferentes texturas”, explica ela, que utiliza elementos como tinta a óleo, acrílica, esmalte de unhas e até sachês de chá nas telas.
Na série exposta no Brasil, Kamel retrata mulheres do Oriente Médio com trajes tradicionais ou modernos, que em comum trazem expressividade às obras. “Muitas das minhas pinturas são realmente para provocar. Por exemplo, tenho uma tela que é uma mulher gritando e no fundo tem palavras em árabe. São coisas que os vizinhos, que a sociedade diz sobre a mulher, como ‘gorda’, ‘negra’, ‘fumante’, coisas assim, porque eu sinto que nas sociedades, não apenas na egípcia, se uma mulher se divorcia, por exemplo, isso é falado. As mulheres pagam o preço. É sobre nós pagarmos o preço por viver. Tudo que a mulher vai fazer é muito calculado porque ela sabe que tal pessoa vai dizer tal coisa”, destaca.
Nas narrativas literárias, Kamel escreve em árabe e tem obras publicadas nos Emirados e Egito. “Estou tentando fazer com que as pessoas entendam que mulheres são diferentes [entre elas]. Elas não são apenas metade da sociedade. Elas são a sociedade”, pontua ela, que já teve obras em mais de 62 exposições internacionais e feiras.
A artista é curadora de eventos de arte, como da edição de 2019 do World Art Dubai, na qual ela expõe há quatro anos. Em visita ao Museu de Arte de São Paulo (Masp), ela aproveitou para ter novas ideias para suas exposições. “Eu amei a maneira como eles exibem no Masp. É parte do meu trabalho pensar nestas coisas”, explicou ela, que viu muitas semelhanças entre a capital paulista e as cidades egípcias.
Lotfi Abu Sariya
Lotfi Abu Sariya tem mais de 50 anos de carreira. O artista do Egito, radicado na Bélgica, desenha todos os dias. “Sempre pessoas. Sempre mulheres. Eu só desenho mulheres. Por quê? Eu desenho coisas legais”, explica Lotfi, enquanto abre seu caderno na página mais recente e começa a rabiscar. A criação que está fazendo durante a estadia no Brasil é o desenho de uma bailarina, cuja saia é feita da colagem de uma flor que ele encontrou na Avenida Paulista.
Em diferentes estilos, as obras dele trazem temas como a solidão e o peso do divórcio para as mulheres frente à sociedade. “Acho que mulheres são vida. Símbolos da vida. E elas são símbolos nas minhas pinturas”, explica. As telas utilizam a figura feminina como base para tratar também de outros temas, como a política. Em duas telas o artista retratou, por exemplo, a Primavera Árabe.
Lotfi explica que sua arte passou por diversos períodos. “Comecei com estilo acadêmico. Depois, fui para o sentimental. Então, mudei para o expressionismo. Agora, é o começo do surrealismo”, detalha ele, mostrando cada um dos períodos nas telas expostas no Club Homs.
Ele já foi chefe de Design do Departamento de Publicidade da rede Carrefour para países da Europa, como Portugal e Espanha, mas foi ainda no início da carreira que começou a utilizar seu formato mais singular, o papiro. Os desenhos são feitos em pequenos pedaços do material egípcio, colados em uma base maior. O trabalho com papiros começou em 1966, quando Lotfi decidiu usar de forma contemporânea a folha como meio artístico. O primeiro de seus papiros está na coleção do Instituto de Papiros, no Cairo.
O artista, que começou a desenhar aos dez anos, acredita que recebeu um dom e espera poder compartilhá-lo. “Meu projeto é colocar muitos quadros em museus do mundo todo. Acho que todos falam a mesma língua. Todos falamos arte”, diz. Aproveitando papel e caneta que carrega, Lotfi faz uma última síntese do que busca transmitir com sua obra: “Arte e cultura reparam o que política e violência destroem”, escreve.
Ahmed Samir Farid
O egípcio Ahmed Samir Farid nasceu em 1969 e cursou a Faculdade de Economia e Ciência Política do Cairo. Há 17 anos, no entanto, Farid trabalha em uma área diferente daquele que estudou por anos a fio: ele é cartunista. “Eu também desenho e faço pinturas, mas escolhi a caricatura porque é mais divertido”, conta.
O artista começou a publicar seus desenhos em 2006 e, desde então, participou de competições nacionais e internacionais. Em sua estadia no Brasil, Farid teve um estande no Club Homs, onde ofereceu seu trabalho aos visitantes. Já em seu dia a dia, ele atua como freelancer e desenvolve tanto caricaturas quanto cartoons para jornais egípcios.
“Eu gosto de diversos temas, mas política também está na minha formação, então você pode ver que tenho muitas caricaturas com figuras políticas. Já nos cartoons a ideia é que haja um diálogo. Eu gosto de não utilizar legendas, para as pessoas pensarem no que quero passar”, explica.
O artista acredita que há espaço para que o número de cartunistas do país cresça. “Temos apenas cerca de 200 cartunistas, mas talvez apenas 60 ou 70 atuando [profissionalmente]”, aponta. Por isso, Farid quer desenvolver outra habilidade, a de ensinar. “Estou preparando uma academia de cartoons para ensinar artes pelo Facebook. Quero também fazer workshops para crianças ensinando caricatura. Convidar outros artistas para participar”, revela ele, que pretende aumentar o interesse pela arte em seu país de origem, onde reside ainda hoje.