O mapa do mundo, pelos olhos de Titouan Lamazou
A reportagem do ICArabe conversou com o artista plástico e fotógrafo Titouan Lamazou, que apresenta a partir desta segunda, dia 11, a exposição “Mulheres do Planeta”. A conversa se deu em meio aos inícios da montagem da exposição.Na última quinta-feira, o artista plástico Titouan Lamazou estava concentrado. Debruçado sobre uma mesa, dava os retoques finais em uma das fotografias que farão parte da sua exposição “Mulheres do Planeta”, como parte do ano da França no Brasil, com abertura marcada para o dia 11 de maio. Ele trabalha com pinturas fotos, mistura uma série de linguagens artísticas. Parecia estar esquecido de tudo, inclusive da entrevista combinada. Apresento-me, o fotógrafo larga o que está fazendo e aceita conversar de bom grado. Mas por pouco tempo. Tivemos que sair da Oca do Ibirapuera, local da exposição. O barulho era enorme. O interior da arquitetura de Niemeyer era o espaço ideal para os ecos de marteladas, pregos, madeiras e furadeiras. “A Oca é um dos lugares mais lindos que já vi no mundo, mas muito difícil de usar. Meu amigo Vincent (Beaurin, cenógrafo) e eu fizemos um trabalho para respeitar o trabalho de Niemeyer”. “Mulheres pelo Mundo” teve sua estreia na França, terra de cidadania de Lamazou. Ele nasceu no Marrocos e cresceu na Tunísia como filho de um funcionário de companhia francês. “Em Paris, o museu tinha cerca de 1200 m2. Aqui, há 8000 m2. Absolutamente não é a mesma exposição, é totalmente diferente. Mesmo as poltronas, os móveis e as mesas são circulares para acompanhar a arquitetura do lugar” . Até o conforto entra no planejamento. “Há muitas coisas a ver, e assim as pessoas podem sentar e conversar com os amigos” . De fato, há muito a ser visto, já que a Oca receberá o resumo de sete anos de viagens retratando mulheres nos mais diferentes lugares. Em paredes brancas que serão os suportes para as fotos, havia apenas rascunhos e mapas indicando a disposição das fotos. Algumas puderam dar o tom da exposição. E da personalidade de Lamazou. O artista-viajante é admirador de Guimarães Rosa. Não poderia ter deixado de ir à cidade natal do escritor. Lá retratou Dayanna, contadora de histórias, e Rosa, prostituta. “É, a maioria de Cordisburgo, eu é que descabacei”, lê-se logo abaixo. Na parede seguinte, imagens familiares. Um muro. Uma mulher em frente ao muro. Pichado, lê-se: “NO WALL WILL STOP US” (Nenhum muro irá nos deter). Sim, a Palestina. Por todos os continentes, durante sete anos, Lamazou fez o retrato, artístico, fotográfico, em vídeo, de mulheres. Por quê? “Porque gosto de mulheres, sou atraído por elas” . O despojamento de Lamazou é característico. Disse-me isso sentado encostado a uma árvore, em pleno Ibirapuera. Ele misturava em suas respostas uma ironia, um descaso por tradições, mas uma seriedade inevitável. Viaja desde os 17 anos, na década de 70. Diante das catástrofes que testemunhou nessas andanças, não poderia ser diferente. Acaba por usá-las como motor de seu trabalho. Em 2003, foi nomeado Artista da Paz da Unesco (entidade que apoiou seu trabalho desde o início, em 2002). “Em 1979, houve uma Convenção de Igualdade de Gênero, e o acordo tirado dali foi assinado pelos 125 países que compunham a ONU, entrou em suas constituições, mas ninguém os respeita até hoje. Mesmo países da Europa, como a França” . As lentes, os pincéis a câmera do artista querem os detalhes, a individualidade. Não quer nações, religiões ou identidades étnicas, quer a personalidade de cada uma, o que as faz únicas, mas através desse olhar sobre as mulheres, também o que as torna comuns. “Quando fui a Darfur, não fiz como a maioria dos jornalistas, o retrato de mil refugiados, mas o retrato de Zaluba, Hadija, Halime. Acho importante mostrar que, por exemplo, os afegãos são pessoas como você e eu. Claro, há uma cultura diferente. Mas em meu mapa não coloco o nome de povos, mas coloco o nome de mulheres” . Lamazou expõe com clareza sua visão da completa degradação do mundo, a piora da vida em todos os cantos do planeta desde que iniciou-se a aclamada vida da globalização. “Depois da queda do muro de Berlim, poderia se dizer que o Mundo Livre ganhou, mas isso não é verdade. Está pior do que antes em todos os lugares. Essa formação de Estados que conhecemos é recente. Os Estados africanos têm cerca de 50 anos. Começo meu livro com Lucy, a mulher mais antiga conhecida com 3 milhões de anos, anterior a todas essas construções mais recentes. Não gosto da noção de Nação, de fronteiras, dessas religiões, de origem étnica, não estou nem aí. O importante são as pessoas, e entre as pessoas, prefiro as mulheres”. No final de nossa conversa, perguntei ao homem que viajou sete anos retratando mulheres em todo o mundo sobre a situação geral das mulheres no mundo: “Há algo comum, uma maior consciência. As mulheres hoje são a base e o chão. Elas dão à luz e criam os filhos, vão atrás do dinheiro. Por isso em muitas guerras atualmente a violência sexual é uma arma. É usada para humilhar dividir o ambiente social dessas pessoas. Se fosse à Gaza 30 anos atrás, na Palestina, as mulheres andavam com saias, sem qualquer cobertura na cabeça. Hoje não podem andar assim. Isso por causa do conflito e da pobreza. E as mulheres pagam o grande preço disso” . E as mulheres árabes? “Não gosto de misturar islamismo e identidade árabe. Eu sei disso porque nasci no Marrocos e cresci na Tunísia. Acho que, em lugares como Darfur, não podemos falar de uma mulher árabe. Mesmo na Mauritânia, há comunidades com uma tradição. Mas, sim, há uma visão errada. As pessoas esquecem que os gregos inventaram as formas de cobrir a cabeça, não os muçulmanos nem os árabes. Queriam tomar e exercer o poder sobre a mulher. A ideia da mulher afegã é a pior que temos. Quando fui a Cabul, conheci a mulher de um dos líderes do Taleban, que estava preso em Guantánamo. Ela sempre brincava e fazia piada, tomava pílulas anticoncepcionais porque o marido pediu que o fizesse. Não era a ideia de mulher que temos. As mulheres na Argélia, ou de países árabes, são como as mulheres brasileiras ou de qualquer lugar do mundo em 99% de suas preocupações”.