A falsa democracia e a estratégia colonialista de Bush
O processo de “democratização” do Líbano não pode ser entendido isoladamente. Ao contrário, ele faz parte do panorama marcado por intervenções estratégicas dos Estados Unidos no Oriente Médio e na Ásia Central. Desse ponto de vista, a exigência de retirada das tropas sírias que ocupavam o Líbano, em nome da democracia, foi um mero pretexto esgrimido por Washington. Não se pretende, com isso, justificar, defender ou legitimar a ocupação síria, mas apenas observar a total ambivalência de atitudes por parte da Casa Branca: a mesma superpotência que acusa Damasco de prática imperialista sustenta, desde 1967, a ocupação ilegal da Palestina por parte de Israel.
O objetivo central de Washington é promover a estabilidade regional com base na sustentação de governos aliados confiáveis, eleitos por um processo aparentemente democrático. Trata-se de construir no Oriente Médio e na Ásia Central um quadro semelhante, por exemplo, ao consolidado na América Latina ao longo dos anos 90, quando as ditaduras militares foram substituídas por regimes civis de orientação neoliberal e subordinados às estratégias estadunidenses.
A mesma política vem sendo aplicada por Washington na região que, até o início dos anos 90, formava a “esfera de influência” da antiga União Soviética, extinta em 1991, quando foi substituída pela Comunidade de Estados Independentes (CEI). Geórgia (novembro, 2003), Ucrânia (novembro, 2004), Quirguistão (março, 2005) e, mais recentemente, em maio, Uzbequistão: não por acaso, caíram ou sofreram sérios desafios todos os governos dos países integrantes da CEI.
Em todos os casos, os movimentos de oposição reclamavam eleições livres, democracia e eram, em grande parte, financiados por organizações estadunidenses. Uma análise mais apressada poderia supor, no caso, que Washington promove a subversão de regimes considerados hostis e situados na “esfera de influência” da Rússia. Mas, desta vez, a questão é mais complicada: os governos que caíram eram aliados, e não adversários da Casa Branca. Como explicar, então, o comportamento aparentemente contraditório do governo Bush?
A explicação radica no amadurecimento da doutrina da “guerra preventiva”, publicamente anunciada por Bush, logo após o atentado de 11 de setembro de 2001. A “guerra preventiva” – conceito caro a Adolf Hitler – abriu aos Estados Unidos a possibilidade de atacar qualquer país, região ou grupo considerado uma ameaça potencial à segurança nacional estadunidense, especialmente aqueles integrantes do famoso “eixo do mal” (Irã, Síria, Coréia do Norte, Cuba e Iraque e Afeganistão antes da invasão).
Esse conceito foi superado por outro, bem mais agressivo e abrangente: o de “dominação militar global”, discretamente anunciado pelo Pentágono, em março de 2005. A Casa Branca atribui a si própria um mandato militar global, isto é, o direito de agir militarmente mesmo em situações onde não ocorram guerras e conflitos, além do direito de promover operações militares dirigidas contra países não hostis aos Estados Unidos, mas considerados estratégicos do ponto de vista de seus interesses.
Agora, não basta a um governo qualquer proclamar suas juras de amor a Washington. Além disso, ele deve provar-se politicamente capacitado a integrar-se ao processo de “mudança do mundo” nos termos postos pela Casa Branca. Caso não esteja à altura da tarefa, será derrubado pelos meios considerados mais convenientes por Washington, incluindo financiamento de grupos de oposição, treinamento de mercenários e intervenção direta.
Torna-se compreensível, nesse quadro, a derrubada dos governos aliados mas “instáveis” dos países integrantes da CEI, assim como os processos em curso no Afeganistão, no Iraque e no Líbano. Não se trata de um processo genuíno de democratização real (democracias não podem ser construídas sob ocupação militar, nem por pressões externas), mas sim de uma estratégia de dominação colonial.