Homenagem ao professor
Que bom, professor, que Nacibinho perseverou nesse trajeto rumo ao Brasil. Pois o senhor proporcionou a este país a honra de sua existência, de seu pensamento, de sua força.
Tocado por emoção, o sentimento ao receber a noticia me impulsionou a essa pequena homenagem, de forte teor pessoal. Conheci o professor Aziz pessoalmente em 2005, quando entrei no ICArabe.
Na primeira reunião que participei, na biblioteca do Clube Homs, o professor Aziz estava presente. Primava por uma combinação digna dos grandes: um incrível senso de modéstia associado a uma sofisticada capacidade de elaboração de pensamento vivo. Aquele jovem de 23 anos que era eu rendeu-se imediatamente ao fascínio que suas intervenções lhe despertavam.
Um verdadeiro refresco em um mundo onde uma combinação muito desagradável predomina: a mediocridade associada à soberba. Ao respeito que eu nutria por seu trabalho intelectual e corajosa atuação política, somaram-se o carinho e a admiração por uma vitalidade que inevitavelmente contaminava os que desfrutaram o imenso privilégio de sua companhia. Nestes últimos sete anos, esses sentimentos somente aumentaram.
Eu sentia em cada um de nossos encontros o que o ICArabe significava para o professor. Um grupo de pessoas orgulhosas de serem presididas por ele, resolutamente decididas a valorizar, divulgar e recriar a cultura árabe no Brasil.
Em meio a ricas discussões na diretoria, sobre como poderíamos perseguir esse objetivo, o professor Aziz sempre fazia questão de enfatizar que somos um instituto cultural e que tal característica jamais poderia assumir caráter secundário. Em suas explanações sobre a importância de mantermos a cultura como foco, ele dizia: “A cultura é um conjunto de valores e princípios, divididos nos níveis sociológico, tecnológico e animológico.” Dado que em mais de uma ocasião, o professor introduziu suas intervenções com tal definição, é possível entender a importância que essa ideia tinha para ele.
A convivência com ele mostrava que a insistência nessa ideia não se tratava somente de uma preocupação com a precisão teórico-conceitual, natural em um cientista de sua magnitude. A forma como ele articulava sua definição de cultura às suas próprias memórias familiares, memórias de infância, denotava uma tentativa que extrapolava a mera precisão conceitual.
Aziz estava nos lembrando que o papel social do ICArabe, como instituto cultural, se inscreve em vários registros: nas artes, nas ciências, em relação à memória etc. O saudoso professor dizia que a cultura também estava ligada a questões da alma.
Mas, em nenhum momento, Aziz perdeu de vista a importância política presente nos esforços que aquele grupo de pessoas dedicava à valorização da cultura árabe.
Buscando lembranças em anotações pessoais das reuniões da diretoria do ICArabe, deparei-me com uma colocação que o professor Aziz fez em 12 de fevereiro de 2008: “Todos aqui estão agindo socialisticamente, de forma socialista. É que o socialismo mudou. Agimos dentro das novas transformações da democracia... Temos que elaborar uma estratégia!!”.
Ficamos com a tarefa, professor. A estratégia para uma outra política, e outra sociedade, é cada dia mais necessária. Inspirados pelo seu exemplo, alimentados por sua vitalidade e tocados por sua modéstia, continuamos.
Que bom para o Brasil, que bom para o ICArabe e para todos nós, que o “Nacibinho” desembarcou daquele navio vindo do Líbano em 1911.
Que bom que, com algumas libras e um pouco de ouro, ele chegou à Praça da Alfândega e encontrou uma moça árabe que o ajudou, indicando a Central do Brasil até Taubaté. Que bom que, chegando a Taubaté, encontrou outra moça árabe que o indicou à região dos “turcos”.
Que bom que o pai de Nacibinho já estava em São Luiz do Paraitinga.
Que bom, professor, que Nacibinho perseverou nesse trajeto cumprido por outros tantos milhares de seus compatriotas. Pois o senhor proporcionou ao Brasil a honra de sua existência, de seu pensamento, de sua força. Sem nunca perder seus vínculos com a cultura de suas origens, o senhor amou tanto este país, a ponto de decifrar suas sinuosidades, suas profundidades, sua diversidade, o peso de sua história acumulada topograficamente ao longo dos anos, sobretudo o senhor deixava claro o carinho e o respeito pelo povo brasileiro (por isso, insistia que todo cidadão deveria assistir o documentário “O povo brasileiro”, baseado na obra de Darcy Ribeiro).
Quanto ao ICArabe, sua presença fortalecia um grupo de pessoas unidas em um ideal. Sua memória é viva e continuará servindo como combustível para todos nós, que continuamos a buscar a estratégia da qual o senhor falava.
Saudades...