Em São Paulo, árabes torcem juntos em jogo histórico do Marrocos na Copa do Mundo

Qui, 15/12/2022 - 10:58

A seleção marroquina perdeu para a França por 2 a 0, mas entrou para a história como a primeira equipe árabe a chegar às quartas de final e a primeira africana nas semifinais 

Na tarde de quarta-feira, 14 de dezembro, árabes, brasileiros e africanos lotaram os dois andares do restaurante Al Janiah, torcendo juntos pela surpreendente seleção marroquina. A partida histórica foi exibida pelo restaurante e centro cultural palestino acompanhada de petiscos típicos do Magreb. Apesar da vitória da França por 2 a 0, foi a seleção marroquina que entrou para a história como a primeira equipe árabe a chegar às quartas de final e a primeira africana a chegar às semifinais. 

O chef de cozinha tunisiano do restaurante, Mohamed Nas, preparou comidas especiais para a partida: Briouat de carne e queijo, uma espécie de massa folhada recheada típica do Marrocos; Kefta Tunisiano, um bolinho feito com batata e queijo; e o falafel palestino.

Com a bandeira e a camisa marroquina, Safar Dbiya, que é natural da cidade de Fez e está no Brasil há doze anos, torcia por seu país junto de amigos e familiares. “É muito importante para a África inteira, não só para o Marrocos”, afirmou sobre o jogo; para Safar, o destaque na Copa do Mundo pode impulsionar o turismo, melhorando a situação do Marrocos.

Vindo da Guiné-Bissau, Braime Mane, naturalizado brasileiro e no Brasil há 13 anos, não soube descrever a importância da seleção marroquina ter chegado tão longe na disputa. “Eu não sei nem descrever porque, como todos sabem, a África ainda não tem nenhuma Copa do Mundo e o mundo árabe também não. Então, Marrocos nos representa e muito. É muito importante para a visibilidade da África, para a visibilidade do mundo árabe, para quebrar vários estereótipos, é de suma importância. Então eu torço muito mesmo por eles”.  

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O marroquino Sabih Anass, no Brasil há oito anos, também acompanhou a partida no restaurante e, apesar de lamentar a derrota, afirmou ter sido bom ver o país na semifinal. “Isso faz parte, agora é esperar pelo terceiro lugar, se Deus quiser”. O Marrocos jogou contra a Croácia no sábado, dia 17, e ficou em quarto lugar na Copa do Mundo, após o resultado de 2x1 para os croatas.

Para Braime Mane, não teria lugar melhor para assistir à partida. “O Al Janiah é um espaço em que a gente se acomoda bem, um espaço que é de liberdade, da esquerda, democrático, que faz a gente se sentir muito à vontade. E é um espaço político também, é progressista, que tem como identidade a luta pelo povo palestino”. 

O professor de Relações Internacionais da PUC-SP, Reginaldo Nasser, também esteve no Al Janiah e falou sobre como a relação entre futebol e política é sempre complexa. “Tem gente que fala e confunde: quando fala o nome do país, parece que está se referindo ao governo. Nós já passamos por isso no Brasil, na década de setenta, com o regime militar. Eu acho que o Marrocos é um exemplo muito claro, onde tem uma separação muito clara entre Governo e povo. O governo do Marrocos, por exemplo, é aliado a Israel e o povo está empunhando a bandeira da Palestina”. 

As vitórias anteriores do Marrocos na Copa do Mundo foram significativas para a causa palestina: os jogadores estenderam a bandeira palestina após toda vitória, apesar da normalização marroquina com Israel, com os acordos de Abraão.  

“As pessoas precisam entender que o futebol não pertence ao governo. Tanto que o acordo que Marrocos fez com Israel é um dos motivos para a bandeira Palestina estar com os jogadores e a torcida”, afirmou o filho de palestinos e dono do Al Janiah, Hassan Zarif. “O jogo trouxe toda uma esperança, porque quanto mais a seleção marroquina ganhava, mais a bandeira palestina aparecia”.

Reginaldo Nasser ressaltou: “Marrocos hoje é a voz de quem? É a voz dos africanos, é a voz dos árabes, a voz dos colonizados, e esse é o significado [da torcida]. Tanto é que as comemorações vão muito além do mundo árabe africano, [aconteceram] nas próprias metrópoles europeias. E, não por acaso, os lugares onde teve mais repressão contra a comemoração foi em Paris, um lugar onde muçulmanos, árabes e africanos são mais excluídos. Portanto, a ideia de uma seleção de futebol nesse perfil chegar a uma final de Copa do Mundo é muito importante para todos esses povos, como um sinal de força, de poder; e de que é possível estar junto com os grandes, disputando palmo a palmo um jogo como esse”.