Na Tunisia, Fórum Social Mundial discute “um outro mundo possível”
Esta semana a Tunísia se tornou o primeiro país árabe a sediar o Fórum Social Mundial. Em meio a um turbilhão político e a uma crise econômica, a nação desponta como a prova dos nove da máxima do encontro: “um outro mundo é possível”.
Dois anos antes, o país protagonizou uma revolução sem precedentes na história da região. Milhões de pessoas saíram às ruas pedindo a queda de Zine El Abidine Ben Ali, que governava o país com mão de ferro há 24 anos. O estopim: um vendedor ambulante de frutas, Mohamed Bouazizi, 26, ateara fogo ao próprio corpo, após ser espancado e ter seus produtos confiscados por policiais corruptos.
Ben Ali deixou o poder, um novo governo (liderado pelo partido islamita Nahda) foi eleito e revoluções populares semelhantes se espalharam por outros países no norte da África e Oriente Médio – a chamada Primavera Árabe. Mas para os milhões de Bouazizis da Tunísia pouco mudou. Porque o grito dos manifestantes nas ruas era por “Pão, liberdade e justiça social”.
“Não há mais medo de protestar, mas não houve melhoria da economia do país, nem há mais igualdade ou justiça social. A vida na Tunísia hoje é muito difícil, principalmente para os jovens”, disse Asma, professora de árabe para estrangeiros na cidade de Sidi Bousaid.
Em 2012, o país cresceu apenas 2,2% e teve inflação de 4% e desemprego de 17%, segundo dados da ONU e do FMI.
De 26 a 30 de março, o FSM tem justamente como slogan a “dignidade”. Segundo os organizadores, a inspiração do tema foi a Primavera Árabe. Nascido no Brasil em 2001, o encontro se propõe a ser “um processo e não uma conferência”, como alternativa ao Fórum Econômico Mundial, que acontece todo ano em Davos, na Suíça.
Para celebrar o início do FSM, na terça-feira (26), milhares de pessoas marcharam pela avenida Habib Bourguiba, no centro da capital da Tunísia. O evento conta com mais de 30 mil participantes, de quase 5.000 organizações de 127 diferentes países. Que se traduzirão em 70 shows, 100 filmes e mais de 1.000 workshops.
“É impressionante. Muitos na Tunísia não entendem o que é o fórum e não se envolvem. Mas acho que estão aprendendo, tudo é muito novo no país em se tratando de política e sociedade civil. O cantor brasileiro que se apresentou na abertura foi sensacional”, contou Wafa, ativista de direitos humanos em Túnis. Ela falava de Gilberto Gil, que subiu ao palco do estádio Menzah para cantar Bob Marley e John Lennon.
Entre os discursos da cerimônia estava o de Besma Khalfaoui, viúva do líder da oposição Chokri Belaid, assassinado em fevereiro último. De esquerda e secular, Belaid foi alvejado do lado de fora de sua casa, na região metropolitana de Túnis.
Sua morte causou grande comoção popular e a retomada de protestos pelo país todo. O primeiro-ministro, Hamadi Jebali, anunciou a formação de um gabinete provisório para governar o país até que fossem realizadas novas eleições.
O pleito, porém, já tinha sido oficialmente remarcado para junho, após duas prorrogações anteriores do Nahda. Ainda também está pendente a finalização de uma nova Constituição.
Organizações da sociedade civil esperam que a nova Constituição seja baseada na Declaração Universal dos Direitos Humanos. “O rascunho da Carta está sendo discutido e ainda há problemas. Mas os grupos lutando por direitos na Tunísia estão cientes de que o desenvolvimento não acontecerá em um dia”, afirmou Lofti Azzouz, diretor da Anistia Internacional em Túnis.
Na pequena Sidi Bouzid, onde Bouazizi nasceu e morreu, há pelo menos um protesto por semana. Localizada no centro rural da Tunísia com 40 mil habitantes, a cidade cobra empregos e a redução da pobreza. A prefeitura tem no papel projetos de construção de escolas, estradas e redes de eletricidade que somam cerca de R$ 3 milhões.
Na prática, os projetos que serão financiados pelo governo e pela iniciativa privada estão emperrados em meio à burocracia e ao novo jogo político democrático. A situação política instável na Tunísia também deixa os investidores estrangeiros cautelosos. O que se traduz em redução e bloqueios de recursos. O ciclo se repete no âmbito nacional e penhora o futuro do país. Por tempo indeterminado.
* Carolina Montenegro é jornalista. Há mais de cinco anos cobre Oriente Médio e África para a grande imprensa nacional e internacional. É autora da Editora Record e atualmente escreve um livro sobre a Primavera Árabe.