Evento traz manifestações da integração árabe com Brasil
Entre os dias 7 e 9 de outubro, Campinas recebeu a III Mostra de Cultura Árabe, oportunidade para que brasileiros pudessem conhecer a importância que tanto a cultura árabe quanto a islâmica tiveram na construção das manifestações da cultura brasileira. O evento foi realizado pelo Instituto Jerusalém, com o apoio do Instituto da Cultura ÁrabeDurante três dias, de 7 a 9 de outubro, o Centro de Convivência Cultural de Campinas recebeu a III Mostra de Cultura Árabe, promovida pelo Instituto Jerusalém e pela prefeitura de Campinas, com o apoio do Instituto da Cultura Árabe. Mais do que satisfazer a curiosidade de quem ainda acredita que a cultura árabe é algo exótico e um conjunto de maravilhas, a mostra expôs a realidade de uma cultura entranhada na variedade de costumes que fazem parte do território brasileiro. A influência não é pouca nem dispersa. Segundo dados da Mostra, são cerca de 13 milhões de brasileiros de origem árabe, o que faz do país o maior “país árabe” fora da região do Oriente Médio e do norte da África. A ambientação do evento foi feita para que o visitante pudesse se sentir em uma aldeia árabe. As galerias, onde podiam-se observar vasos e vestidos da Síria, da Arábia Saudita e do Egito, quadros de mesquitas e paisagens da região do Oriente Médio, ou a exposição de fotos que contavam a reconstrução de Beirute, recriavam um mundo muitas vezes desconhecido para o brasileiro, e que por ser tão fantasiado, sofre de muitos preconceitos. No entanto, mais do que expor e tentar esclarecer uma cultura pouco conhecida, o principal no evento foi revelar uma face importante da própria cultura brasileira, dar voz para um dos povos que formou, entre tantos outros, o país que hoje chamamos Brasil. DO PORTUGUÊS PARA O ÁRABE – Logo na entrada do evento, podia-se perceber um conjunto de pessoas aglomeradas em torno de uma mesa, todas curiosas. Ali, Saadeddine Abou Nimri, libanês, transcrevia os nomes das pessoas do português para o árabe. Saad, como sugere que o chame, veio do Líbano para o Brasil em 1971. Um irmão seu já estava instalado em São Paulo, onde era comerciante, e esse foi seu primeiro emprego por aqui. Mas, diferente do estereótipo árabe, Saad não era um bom “mascate”. Resolveu ser professor da língua árabe. “Hoje existe uma boa procura do povo brasileiro para aprender o árabe. As pessoas manifestam admiração pela cultura. A parte gráfica da letra também atrai”, explica o professor. O libanês afirma que há uma grande procura das pessoas que não têm nenhuma ascendência árabe pelo aprendizado do idioma. “Houve uma procura maior depois do 11 de setembro. As pessoas que me procuravam se perguntavam ‘será que é verdade o que está sendo publicado? Será que não há outra visão?’. Me perguntam muito como são os costumes da região”. Segundo ele, sua adaptação ao Brasil não teve dificuldades, pois “existe uma grande semelhança entre o povo brasileiro e o povo árabe. São muito receptivos, generosos. Independe do motivo, recebem bem”. DÎWÂN – O encontro, a reunião, das manifestações da cultura árabe visadas pelo evento ganhou uma forma clara no palco do Centro no sábado à noite. Ali aconteceu o espetáculo multimídia Dîwân. Como disse o professor de árabe da USP, Michel Sleiman, ali foi visto uma “míriade de manifestações, com dança, música e poesia. A poesia sai dos livros para ser declamada, dançada e cantada. Tudo que tem a ver com o mundo árabe, brasileiro, espanhol e português”. Junto com a poetisa Lelia Romero, autora de Andaluza, Sleiman percorreu o caminho das manifestações literárias feitas na península Arábica antes do islamismo, onde as tribos ainda não tinham um centro e falavam de amores perdidos, até o momento que surge Muhammad. A partir dali, em todo o Oriente Médio e, depois, no norte da África e litoral mediterrâneo se torna comum a saudação ‘Ó Misericordioso’. Depois, explicou Lelia, os árabes islâmicos começaram a viajar, pela Síria, Egito, norte da África, até que chegaram ao Marrocos. Atingiram, por fim, o Alandalus, sul da península Ibérica, onde árabes, judeus e cristãos não viviam completamente em paz, mas viveram oito séculos de uma convivência produtiva e não destrutiva. E através dessa influência na península Ibérica, palavras e costumes da região do Oriente Médio chegaram à América Latina. A poesia continuou com contemporâneos, árabes e não-árabes, nossos atuais “encontros e desencontros”. Entre eles, Federico García Lorca e Haroldo de Campos, que concluiu a apresentação de poesias com seu “Galáxias” traduzido para o árabe por Sleiman. Depois, os músicos Samy Bordokan, Cláudio Kairouaz e William Bordokan tocaram músicas árabes. Ali, a serenidade e reflexão da poesia deu lugar à empolgação dos ritmos do alaúde, do qânun e o dubarak. “Eu venho de uma aldeia do norte do Líbano e lá a gente canta mais ou menos assim”, disse Sammy. O clima se completava - com as galerias, a música e a poesia - e as pessoas conheciam e reconheciam em si uma cultura distante, mas que fincou raízes no nosso país.