Protestos de populações do sul dão nova cara à capital libanesa
Com a incerteza a frente, Serene Assir testemunha as últimas transformações da capital libanesa. Com a ação dos movimentos, forma-se uma nova paisagem para a capital que anteriormente conhecia apenas o domínio das elites.por Serene Assir (do Al-Ahram weekly) Ele deve ter encerrado suas atividades do dia. Parecendo irritado, um homem de negócios em um elegante terno cinza e óculos escuros força a passagem em meio a centenas de homens, mulheres e crianças do lado de fora do moderno, e ainda assim tradicional, prédio que abriga seu escritório na área central. Esses incontestáveis números fazem a passagem para seu carro super-atraente difícil. Ele tenta manter a compostura, mas os slogans estrondosos clamados pelo sistema de alto-falantes instalados nas duas praças centrais de Beirute também fazem essa passagem difícil. Ninguém pode ouvi-lo enquanto ele grita que quer passar, preferivelmente sem amassar seu Armani. E quando ele quase consegue, encontra uma barricada de arame. Ele deve procurar uma outra rota. Agora a irritação cresce. Ele começa a empurrar com mais força, como todos os outros devem – inclusive participantes – quando querem chegar em algum lugar em dias mais cheios de protestos. Finalmente ele consegue sair, solta um respiro de alívio, olhando para trás e imaginando apenas como essa, a área em que trabalha, - o mais novo e endinheirado distrito da cidade – foi transformado tão bruscamente. Bem-vindo a Beirute. Há apenas duas semanas atrás, a famosa área central não parecia em nada com qualquer outro centro de capital do mundo. Por momentos, os centros de cidades usualmente marcam um ponto de encontro de ricos e pobres, turistas e pedintes, artistas de rua, amantes e conservadores, todos exigindo a cidade igualmente como sua. Aqui, sempre esteve claro a quem o centro de Beirute pertencia: às elites estrangeiras e locais. Para qualquer outro, era socialmente inacessível. “Eu nunca estive aqui antes", diz Zein, da cidade sul-libanesa de Maroun Al-Ras, que está na capital para participar do período de quase duas semanas de protestos pedindo a criação de um governo de unidade nacional. “E eu mal posso acreditar que estou no mesmo país em que nasci e fui criado”. Seus sentimentos são pouco surpreendentes. O ostentador centro de Beirute, primeiro idealizado como é hoje pelo primeiro-ministro Rafik Hariri e construído pela companhia Solidere, foi planejado para ser caro. Construído a partir de morros de entulhos depois da Guerra Civil que terminou em 1990, a área se estende no horizonte de milhas de distância leste-oeste que dividiram a cidade durante os 15 anos da inter-sectária matança. Renascida, a missão reavaliada do centro da cidade era atrair negócios internacionais de investimentos e turismo. Cada fileira de colunas em beje dourado e os azulejos perfeitamente polidos na zona de pedestres interconectando os limites próximos à área conhecida como "centro" ou "vila central", mas raramente wasat al-madina – o equivalente em árabe -, foi desenhado para ser esteticamente perfeita. Hoje, essa imagem virou de ponta cabeça. A vasta maioria de cafés, restaurantes e lojas de roupas de alta costura e as lojas de presentes estão fechadas, desde que os protestos começaram em 1º de dezembro de 2006. No lugar, milhares de pessoas, muitas das quais do sul economicamente destituído e destruído pela guerra, estão acampadas em tendas montadas por movimentos aos quais são afiliados, entre eles o Hizbullah, o movimento Amal, o Partido Comunista e o Movimento Patriótico Livre (Free Patriotic Movement). Dependendo do dia, os protestos começam durante o início ou fim da tarde, mas ao pôr-do-sol as praças do Mártir e Riad Al-Sulh estão lotadas até as bordas com pessoas, que mal são contidas pelas barricadas montadas pelo governo libanês em conjunto com a equipe de segurança própria do Hizbullah. Participantes e jornalistas são procurados – frequentemente mais de uma vez – assim que entram na área. Mesmo de uma distância, discursos ao vivo e gravados intercalados com músicas políticas – algumas produzidas para a ocasião e outras que sobreviveram à guerra de verão – são claramente audíveis. As pontes e estradas levando o tráfego de ida e volta da área permanentemente ocupada por protestantes descansando ou voltando para a multidão, já enrolados em uma das cores famosas da oposição: amarelo, laranja e verde. Enquanto o mar de bandeiras libanesas tornou-se uma característica permanente dos protestos vibrantes inegáveis, também é a multidão regular de jovens libaneses dançando dabke às batidas das baterias nas ruas conectando as praças Riad Al-Sulh e dos Mártires, cheios de energia, somente então para explodir em cantos de exaltação a Hassan Nasrallah, líder do Hizbullah, a FPM e ao possível presidenciável Michel Aoun, ou ao porta-voz parlamentar Nabih Berri. Ao longo das ruas, estão centenas de pessoas sentadas no chão, fumando shisha, conversando, batendo palmas, dormindo. Para os puristas do centro, e apoiadores do governo, a visão é chocante. Alguns têm descrito a situação como ocupação, outros como invasão. "Isso realmente me irrita", disse um apoiador do 14 de Março de Beirute, "que eles tenham decidido fazer explodir a sua causa em nosso território. Espero que estejam preparados para as consequências disso". Sem dúvida, após o movimento de 14 de Março apoiado pelo Oeste para explusar as forças sírias do Líbano em 2005, a percepção que cresceu entre seus apoiadores era a de que a área central era deles. A afiliação próxima entre as forças de liderança do 14 de Março e o grande capital no Líbano faz com que o campo de visão da Beirute central seja fechada pelos cidadãos mais pobres do país, quanto mais difícil seja suportar a situação. Entre os participantes nos protestos de hoje estão lixeiros, mulheres de homens mortos nas áreas de fronteiras durante a guerra de verão, desempregados, mecânicos e fazendeiros. A cada dia que os protestos continuam, a economia fortemente orientada para negócios e turismo reporta sofrer enormes perdas. De acordo com o correspondente Alphonse Deeb, 75 por cento dos turistas que pretendiam passar o Natal e os feriados de Eid Al-Adha no Líbano cancelaram suas viagens. Para ser claro, essa não é a primeira vez que o centro de Beirute provêu a razão para a procura da alma. Em meio à continuidade dos presentes protestos, questões ainda não respondidas que concernem ao núcleo da identidade libanesa vem à superfície. O Líbano é a paixão de seu povo ou sua elegância? Beirute é sinônimo de transações bancárias, ou a cidade é o que é por causa de seus terremotos políticos, mar de mudanças e capacidade de recuperação? Para alguns, é tentador declarar eventos atuais que ainda se desdobram como revolução, mas no contexto libanês é apenas outro episódio ao longo do caminho de uma viagem maior, na qual esta nação entenda e lide com seu vastamente variado mas pequeno 'eu'. A esperança a se apegar e alimentar é a de que essa jornada seja pacífica.