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Por 107 votos a favor, 14 contra e 52 abstenções, a Palestina foi admitida na Unesco, no final da Assembleia Geral da instituição. A decisão foi seguida de gritos de “Viva a Palestina”, ao final de uma sessão tensa, pela oposição dos EUA, do Canadá, da Alemanha e de alguns outros países, que não teve sucesso porque na Unesco não existe o direito de veto das velhas potências, que bloqueia decisões democráticas da maioria, como esta, tomada ontem.

Sex, 04/11/2011 - 10:35

 

Uma Palestina internacionalmente reconhecida é de interesse de Israelpor José FarhatAgora que o presidente da Autoridade Palestina Mahmoud Abbas desafiou Estados Unidos e Israel, ao apresentar o pleito de reconhecimento da Palestina como membro pleno da Organização das Nações Unidas (ONU) ao Secretário Geral da ONU Ban Ki-moon que o levará ao Conselho de Segurança e, apesar de toda a pressão internacional, é provável que os Estados Unidos exerçam o poder de veto pela enésima vez contra os palestinos e a favor dos israelenses e voltará o pedido para análise pela Assembléia Geral, creio ter chegada a hora, mais uma entre tantas através dos últimos 63 anos, de fazer uma pergunta.Será que uma Palestina internacionalmente reconhecida não é de sumo interesse, também, para Israel e israelenses?Antes de tudo, palestinos e árabes não vão parar por aqui, qualquer que seja o resultado final da ação corajosa de Abbas. A começar porque os palestinos lutam por aquilo que lhes pertence de fato e de direito, peito aberto e pedras na mão enquanto que os israelenses querem manter o que tomaram ilegalmente a força, num projeto colonial travestido de reivindicações religiosas, com armas sofisticadas e o terceiro ou quarto maior exército do planeta.A iniciativa palestina, com certeza, conta com o apoio da maioria dos países membros da ONU, enquanto Israel se isola cada vez mais e continua sufocando a si mesmo num ambiente hostil que o cerca e só pode ser levantado através de uma Palestina livre, com fronteiras definidas e defensáveis. A reação da platéia que ouviu os discursos de Abbas e do Primeiro-Ministro israelense Benjamin Netanyahu é prova inclusive do isolamento de Israel; o primeiro foi ovacionado em pé enquanto que o outro, deu para ver, só não foi vaiado por ser comportamento inadmissível no âmbito da Assembléia Geral.Será que não ocorre aos israelenses constatar que o reconhecimento mundial, estado por estado, de fronteiras definidas para a Palestina significa também automaticamente o reconhecimento dos limites do próprio estado de Israel, inclusive pelos 22 estados árabes? Se ganharem o reconhecimento de suas fronteiras pelos árabes, não seria também um reconhecimento implícito do estado israelense pelos árabes, um caminho curto e possível de obter uma convivência normal com admissão explícita do vizinho pelos árabes? Se o conflito palestino-israelense já está esgotando a paciência da comunidade internacional, a simpatia maior recai sobre a Palestina enquanto Israel assume posturas que só levam à antipatia crescente durante os últimos 63 anos.Mesmo que a Palestina não consiga no Conselho de Segurança a sua admissão plena, na Assembléia Geral certamente contará com dois terços de aprovação de seu pleito e será elevada à categoria de estado não membro o que lhe abrirá as portas de muitos foros internacionais legais incluindo a Corte Internacional de Justiça e a Corte Criminal Internacional. Os palestinos, na prática, poderão levar seus casos contra as autoridades israelenses. Israel, com todas as suas armas, se verá obrigado a responder, por exemplo, pela expansão dos assentamentos na Cisjordânia, considerada ilegal pela comunidade internacional.As negociações pleiteadas por Netanyahu e Barack Obama e alguns governantes internacionais antes do reconhecimento do estado palestino não levou a lugar algum nos últimos 17 anos. É absolutamente tendencioso e humilhante continuar a negociar, Israel em seu pedestal atrás de suas forças armadas e a Palestina, ainda por ser reconhecida, representada por meia dúzia de governantes que perderam as últimas eleições para o Hamas, eleito pela maioria dos palestinos. Nada contra a iniciativa de Abbas e seu Fatah, mas apenas queremos salientar como a democracia que se quer para os palestinos é relativa e adjetivada – o que a torna não democracia. As finanças dos palestinos estão em mãos do Tesouro de Israel que arrecada os impostos e a ajuda estadunidense condicionando a aceitação de negociações colocam os palestinos numa camisa de força, levando-os ao que Israel e Estados Unidos consideram, junto com seus poucos aliados, o extremo de recorrer à ONU em busca de reconhecimento.Israel nega a legitimidade da ONU para decidir sobre o futuro dos palestinos, fingindo esquecer que é exatamente com base na metade e não na totalidade de uma decisão da Assembléia Geral que se considera um estado revestido de legalidade.Retirando dos palestinos, agora e durante os últimos seis e poucos decênios, seu poder de barganha para levá-los à inútil mesa de negociações esquecem os israelenses que durante decênios se recusaram a negociar dizendo que não tinham interlocutor para negociações. Se Yassir Arafat ora servia ora não, porque Abbas agora serve, mas somente se desistir de reivindicar a paralisação da extensão dos assentamentos? Onde está a lógica a não ser na continuidade do programa de ocupação da terra palestina e da procura dos votos dos cidadãos estadunidenses que Obama anseia por conquistar para se reeleger?Ao torpedearem o pleito dos palestinos agora, vale a pena repisar mais uma vez, Israel e Estados Unidos estarão deixando de garantir para o primeiro um Estado de Israel seguro, judeu e democrático, como querem, não lembrando que a solução de dois estados é muito mais a favor de Israel que dos palestinos. Para estes, a solução de um só estado para dois povos é muito mais favorável, no presente e no futuro, pois se olhado simplesmente do ponto de vista demográfico, os palestinos superarão os israelenses em prazo de poucos anos. Os palestinos sabem que se não conseguirem agora o seu pleito, as únicas alternativas o seu alcance são: brigar pelos direitos humanos e terem o apoio de todo o planeta e passar a lutar pela solução que lhes é mais favorável que é um estado só; e Israel, com o comportamento imoral e ilegal que vem demonstrando, será a garantia de a Palestina, em toda a sua extensão, terá o apoio que atualmente a maior parte do planeta dá à atual reivindicação palestina.É inegável que o reconhecimento da Palestina, conforme pede agora Abbas, é de suma importância para Israel. O estado hebreu terá lucros morais e estratégicos, não será mais visto como um Golias que abusa de sua força contra um David desarmado, sem estado, eterna vítima. Netanyahu, os partidos que o apóiam e todos os israelenses deveriam vislumbrar que a Palestina, ao se transformar num estado pleno, levará a briga atual de desiguais em contenda entre dois estados soberanos com tudo o que isto pode representar de vantagem, tanto na guerra quanto na paz. A Palestina será responsável por seus atos e não os atores atuais portadores das carteiras de identidade a que se referia Mahmoud Darwish, o poeta palestino maior. O Estado da Palestina poderia ser levado às cortes internacionais de justiça e ao próprio Conselho de Segurança da ONU pelo menor ato de beligerância.Israel está preferindo ver os poucos aliados que lhe restavam, como a Turquia e o Egito, se afastarem cada vez mais de qualquer tipo de parceria. A Primavera Árabe, e não é difícil perceber, também não está sendo dirigida somente contra seus governantes pelos atos e omissões que vêm cometendo, mas também pela associação com os Estados Unidos que representa nada mais nada menos que apoio indireto ao estado israelense e suas ações contra os palestinos. Israel deveria considerar que a neutralização, desde as ruas e praças árabes até todos os povos árabes e muçulmanos, está no reconhecimento do estado palestino e a paz com um soberano Estado da Palestina.O reconhecimento de um estado palestino pelas nações que compõem a ONU representará um antídoto contra o crescente isolamento de Israel e um bálsamo para o ódio que os árabes e muçulmanos nutrem de forma progressiva contra os Estados Unidos. Quem apóia os palestinos não faz distinção entre Israel e Estados Unidos.Obama e Netanyahu jamais conseguirão negociar somente parte do problema palestino-israelense e uma negociação séria terá que incluir questões como Jerusalém e Refugiados e estes assuntos só podem ser negociados entre dois estados soberanos, discutindo como iguais. Sem reconhecimento do Estado Palestino assuntos desta magnitude não podem ser negociados e sem uma solução para estes dois problemas, qualquer negociação é troca de figurinha.Com a estratégia de internacionalização do conflito, qualquer que seja o resultado, os palestinos já saem ganhando e os israelenses perdem a oportunidade de sair do impasse no qual se encontram também.José Farhat é cientista político e diretor do Instituto da Cultura ÁrabeVisitem o blog: http://josefarhat.wordpress.com

Agora que o presidente da Autoridade Palestina Mahmoud Abbas desafiou Estados Unidos e Israel, creio ter chegada a hora de fazer uma pergunta. Será que uma Palestina internacionalmente reconhecida não é de sumo interesse, também, para Israel e israelenses?

Sex, 30/09/2011 - 11:42

 

Onze de setembro: dez anos depoispor José FarhatLogo após o ataque às Torres Gêmeas, em 9 de setembro de 2001, e até há poucos anos depois, quem ousasse interromper um jogo de gamão ou a baforada de um narguilé, em qualquer café de Beirute ou Clube de árabes em São Paulo e perguntasse quem foi o autor do atentado, é provável que ouvisse uma quase unânime resposta: “C.I.A. e Mossad”! Escrevemos um relato intitulado Onze de Setembro Sete Anos Depois, em 11/09/11, dando conta desta linha de pensamento árabe e também muçulmano, por andarem em paralelo.Hoje, no entanto, já não se atribui este ato terrorista às duas agências de inteligência e sim a seus reais autores: al-Qaida e seus pupilos. Alguma insistência naquela errônea versão ainda ocorre, tal como existem pessoas que ainda consideram uma farsa televisiva a chegada de Neil Alden Armstrong à lua e seu pronunciamento em nome da humanidade.A grande maioria de árabes e muçulmanos nunca apoiou a al-Qaida e sobretudo o crime que cometeu em território estadunidense, salvo as desprezíveis exceções de sempre que se manifestaram em 2001. Boa parte destes segue atualmente a mesma linha traçada por Peter L. Bergen, em seu livro The Longest War: The Enduring Conflict Between America and Al-Qaeda [A mais longa guerra: O conflito duradouro entre América e al-Qaida] no qual é analisado o sentido do que ocorreu naquele dia nefasto, mas também as consequências daquela agressão desumana, entender a guerra no Afeganistão, a ocupação do Iraque, as relações perturbadas dos Estados Unidos com o Paquistão, as perspectivas do relacionamento entre árabes e muçulmanos com o chamado Ocidente, liderado pelos Estados Unidos, às vezes ocultados pela couraça da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), as torturas cometidas e os programas de remessa às escondidas de prisioneiros a outros países para que fossem cruelmente interrogados e às vezes até eliminados e a caça e a morte de Bin Ladin.  Seguindo Bergen, analista de segurança nacional da Rede CNN e diretor de estudos de segurança da New American Foundation que coletou dados junto a autores e organizações, fizemos o mesmo, salvo por uma única exceção, procuramos trazer para este estudo a opinião de não árabes e não muçulmanos. A bem da verdade, Bergen chegou a ser criticado pelo establishment estadunidense, à falta de outra desculpa, por não ter dado maiores detalhes sobre o Afeganistão.Aquilo que árabes e muçulmanos, inclusive na Tríplice Fronteira de Brasil, Argentina e Paraguai, em todo o Brasil, em países árabes ou de maioria muçulmana indagam não é diferente daquilo que fazem os próprios cidadãos estadunidenses. Atualmente em sua grande maioria eles se impressionam: uma década depois do 11/9 os Estados Unidos continuam lutando no Afeganistão e ainda não saíram do Iraque (e apesar de acordo firmado com o governo iraquiano estão procurando encontrar um meio, qualquer um, para lá ficar), tudo apesar de não ter ocorrido qualquer ataque terrorista desde então. O espanto maior é que foi gasto mais de US$ 1 trilhão nos combates, milhares de estadunidenses foram mortos e não há dúvida que Tio Sam inspirou o surgimento de oposição odiosa por parte de árabes e muçulmanos, onde quer que se encontrem.  Cada árabe ou muçulmano lamenta a perda de centenas de milhares de vidas dos seus, tão inocentes quanto os cerca de três milhares de vítimas das Torres Gêmeas. É-lhes dolorido constatarem o que pode ser considerado uma discriminação entre vítimas civis inocentes: “as deles e as nossas”. O mundo ouviu as palavras de George W. Bush no dia do ataque e duas vezes depois e seus discursos foram pronunciados em alto e bom som, o suficiente para que árabes e muçulmanos ouvissem que a reação estadunidense seria uma cruzada. Lamentam eles também as agressões que se seguiram ao 11/9, por parte de Estados Unidos e seus aliados em terras árabes ou muçulmanas. Sentem profundamente o apoio que é dado a Israel e os abusos que este comete contra os palestinos que são tanto árabes quanto muçulmanos em sua maioria, mas também cristãos. A reação ao tratamento dado por Israel aos lugares santos do Cristianismo e do Islã não se limitam ao estado hebreu e sim abrangem os Estados Unidos e seus aliados. Ninguém pode negar que foram, em última instância, os inúmeros adiamentos da decisão de ingresso da Turquia na União Europeia, que teve sua origem nas campanhas contra o Islã, a razão para levar o estado turco a desistir de sua candidatura ao ingresso na organização. Isto apesar de o então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, mentiroso contumaz, dizer que era a favor da entrada do país de maioria muçulmana para o seio da organização europeia. Pode-se também considerar que a deterioração das relações entre Israel e Turquia tem em 11/9 suas origens remotas.A própria criação do Instituto da Cultura Árabe no Brasil (Icarabe) tem indiretamente no episódio suas origens. Os ataques a Edward W. Saïd (1935-2003), palestino-estadunidense, teórico de literatura, professor de inglês e literatura comparada na Columbia University e defensor da causa palestina, recrudesceu com a implementação da “caça às bruxas” nos Estados Unidos após o 11/9. Saïd passou a ser atacado por sua origem e até ameaçada foi a sua cátedra na universidade. Os ataques repercutiram no Brasil e encorajaram a união de intelectuais em sua defesa. O apoio a Saïd foi ampliado para a causa palestina em particular e árabe em geral e à rica cultura árabe, o que consequentemente resultou na criação do Icarabe, que o tem como patrono. Falamos do 11/9 e de algumas poucas de suas repercussões, mas não chegamos a definir o que é terrorismo, o motivo das cruzadas de Bush filho. Em artigo publicado em 02/09/2011, o professor de Ciência Política da Aligarth Muslim University, na Índia, M. Mohibul Haque publicou um artigo no Countercurrents.org intitulado Deconstruction of Discourse on Terrorism [Desconstrução discurso sobre terrorismo] no qual ele sublinha que o sentido do termo ‘terrorismo’, apesar de ser aquele que por mais longo tempo se discute em círculos acadêmicos e governamentais, tem “implicações perigosas [que] não são sentidas” e afirma ademais que “a ausência de uma definição objetiva de terrorismo é mais proposital do que acidental”. Haque acrescenta ainda: “a desonestidade da fraternidade acadêmica e o dúbio comportamento de governos nacionais são responsáveis por tais problemas”. Vindo para o nosso assunto, o professor da AMU chega diretamente ao âmago da questão ao afirmar: “Terrorismo é um ato político ou ideológico motivado por violência contra homens ou mulheres comuns. Ele pode ser cometido por indivíduo, grupo, organização ou estado. No entanto, infelizmente este discurso sobre terrorismo foi sequestrado por nações poderosas do mundo que nunca querem que seus atos de injustificável violência devam ser discutidos no contexto de terrorismo. Isto é muito evidente nos efeitos dos ataques terroristas de 11 de setembro contra os Estados Unidos. A assim chamada guerra global declarada contra o terror e que está sendo travada por Estados Unidos e um punhado de seus aliados tem tentado tapear que na presente circunstância o terrorismo é monopólio de não-estados. Assim, a matança de pessoas inocentes cidadãs de Afeganistão, Iraque, Somália e Kosovo por uma aliança imperialista não é absolutamente terrorismo.” Professor Haque conclui dizendo que “Terrorismo deve ser definido e determinado mais com base em atos cometidos que em atores envolvidos.” Albert ‘Al’ Gore vice-presidente durante os oito anos de governo William ‘Bill’ Clinton, não é árabe e nem tampouco muçulmano, com sua insuspeita pena, escreveu um livro sob o título The Assault on Reason [O assalto à razão] no qual atacou George W. Bush dizendo que ele estava “fora de alcance da realidade” e ignorou “claros avisos” sobre a ameaça terrorista antes do 11/9 e que ele tornou os estadunidenses menos seguros “agitando vespeiros no Iraque” enquanto usava “a linguagem e a política do medo” a fim de “desviar a agenda pública sem atentar para a evidência, os fatos ou o interesse público”. Gore poderia até estar investindo contra Bush por razões eleitoreiras, o que é negado por todas as resenhas do livro às quais tive acesso, mas há um fato inegável a respeito do assunto.  Bush não deu ouvidos aos “claros avisos” porque com ou sem o 11/9 seus planos eram outros e o ataque da al-Qaida serviram apenas de desculpa. Em artigo publicado em 15/09/2002, sob o título Planned Iraq 'Regime Change' Before Becoming President [Plano de ‘mudança de regime’ no Iraque antes de se tornar presidente], o jornalista Neil Mackay dá conta em artigo de 15/09/2002, que um resumo secreto de documento sobre a dominação global dos Estados Unidos revela que Bush filho e seu gabinete estavam planejando e premeditando atacar o Iraque a fim de assegurar uma ‘mudança de regime’ bem antes de quando este assumiu a presidência em janeiro de 2001. Quem revelou a existência do documento sobre a criação da ‘Global Pax Americana’ foi o jornal Sunday Herald que informa serem autores do resumo Richard ‘Dick’ Cheney (que se tornaria vice-presidente de Bush filho), Donald Rumsfeld (que seria nomeado secretário de defesa), Paul Wolfowitz (segundo de Rumsfeld), John ‘Jeb’ Bush (irmão de Bush filho e depois governador da Florida e que ajudaria o irmão a ser reeleito) e Lewis Libby (chefe de gabinete de Cheney). O documento original, sob o título de Rebuilding America’s Defense: Strategies, Forces And Resources For a New Century [Reconstruindo a defesa dos Estados Unidos: Estratégias, forças e recursos para um novo século] foi redigido em setembro de 2000 (um ano antes do 11/9) pelo neoconservador grupo chamado Project for the New American Century [Projeto para um novo século estadunidense]. Tanto isto é verdade que na reunião da cúpula governamental estadunidense, no dia dos acontecimentos do 11/9, ao saber do ocorrido Paul Wolfowitz gritou: “Foi Saddam Hussein, vamos atacar o Iraque!” e, em seguida, ao surgir a figura de Bin Ladin, decidiu-se pelo ataque ao Afeganistão em primeiro lugar. Não precisa ser árabe ou muçulmano para começar desconfiando e depois ter certeza que tudo tinha sido planejado com antecedência e os ataques de 11/9 e suas vítimas foram tão somente usados e os países árabes e muçulmanos também. No documento Rebuilding America’s Defense (capítulo II Quatro missões essenciais - página 5) estão traçadas as metas: “A liderança mundial dos Estados Unidos e seu papel de garantidor da atual paz da grande potência, assenta na segurança do território estadunidense; na preservação de uma balança favorável de poder na Europa, no Oriente Médio e na região circunvizinha produtora de energia e Leste Asiático; e na estabilidade do sistema internacional de estados-nações relativo a terroristas, crime organizado e outros ‘não-estados’ atores.” No dia 06/09/2011, por ocasião do décimo aniversário do 11/9 o britânico Oxford Research Group publicou um relatório sob o sugestivo título de A War Gone Badly Wrong – The War on Terror Ten Years On [Uma Guerra que seguiu muito errada – A Guerra contra o terror continua por dez anos] com reflexões sobre os erros catastróficos da ultima década e avaliação da resposta dos Estados Unidos e da coligação de seus parceiros e questiona se a resposta foi apropriada ou sábia ou se os resultados foram, até o momento, contraproducentes e indicam a necessidade de um totalmente novo paradigma de segurança.O autor do relatório, o Professor Paul Rogers, diz: “Por ver os ataques como exigindo uma resposta militar importante - uma ‘guerra ao terror’ – atribuiu aos autores precisamente a atenção que eles buscavam e provou ser profundamente contra produtivo.” O relatório inclusive compara os objetivos originais de guerra das administrações Bush e Blair logo após os ataques e seus resultados atuais em termos de longevidade dos conflitos, os custos humanos, as implicações financeiras e os desenvolvimentos políticos.Rogers resume os maiores resultados da ‘guerra ao terror’ quando diz: “Uma curta guerra no Afeganistão logo mais entra na sua segunda década, sete anos de guerra no Iraque ainda está por resultar numa paz duradoura e o Paquistão continua profundamente instável. Enquanto isto, grupos fracamente ligados ao movimento al-Qaida fazem progresso em Iêmen, Nigéria, Argélia e Corno da África.” É mais uma concordância, e bastante importante, à idéia que defendemos aqui e, mais ainda, o impacto destes acontecimentos certamente serão sentidos por muitas décadas futuras tanto no Mashriq quanto o Maghrib árabes quanto no sul e centro asiático muçulmanos.Só se pode concordar também com Rogers quando aponta para um fato relevante que é o aumento significativo da influência do Irã na região e principalmente nos países palcos das ações estadunidenses: Afeganistão e Iraque e, nestes países, o Irã está livre para atuar. Rogers vai além ao apontar para aquilo que um aniversário não está representando em termos de oportunidade para reflexões honestas já que planejadores políticos e militares estão se arriscando a repetir os erros da última década e diz: “Uma avaliação abrangente das guerras no Iraque e Afeganistão é muito necessária em maior profundidade” do que a atual atitude dos Estados Unidos e Reino Unido para se conseguir “aumentar a cautela em resposta muito rápida em circunstâncias difíceis com o uso de força militar.”Dificilmente podem ser encontrados contestadores, em qualquer parte do mundo, na atualidade, às conclusões de Rogers quando diz: “Tornou-se cada vez mais claro na última década que os Estados Unidos e seus parceiros devem aprender com o evidente fracasso da ‘guerra ao terror’ passando a prestarem mais atenção às causas subjacentes aos conflitos, especialmente os fatores que motivem novos paramilitares a empreenderem ações extremas.”Noam Chomsky, linguista, filósofo, ativista político estadunidense, professor de Linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, comentou sobre o 11/9 em artigo datado de 06/09/2011 intitulado Dangers of American Empire and Why the US Continues to be Bin Laden's Best Ally [Perigos do império estadunidense e porque os E.U.A. continuam sendo o melhor aliado de Bin Ladin], no qual aponta que “Inúmeros analistas observam que apesar de Bin Ladin finalmente ter sido morto, ele ganhou alguns grandes sucessos em sua guerra contra os Estados Unidos.”Continuando, Chomsky cita o jornalista especialista em Oriente Médio e Islã, Eric Margolis que escreveu: “Ele [Bin Ladin] repetidamente afirmou que a única forma de conduzir os Estados Unidos para fora do mundo islâmico e derrotar seu satrapismo é trazê-los para uma série de pequenas, mas dispendiosas guerras que finalmente irão à falência”. Segundo Chomsky, ”Fazendo sangrar os Estados Unidos, primeiro sob George W. Bush e depois sob Barack Obama levou-os direto para a armadilha de Bin Ladin.” Chomsky prosseguiu com sua correta afirmação de que “um ataque maciço contra uma população muçulmana teria sido uma resposta às orações de Bin Ladin e seus associados e levaria os Estados Unidos e seus aliados a uma armadilha diabólica.” Foi por esta razão, aliada aos custos de mais uma frente de guerra, que fez com que os Estados Unidos fingissem não estar atuando na Líbia.Chomsky, após demonstrar que os Estados Unidos, com seus ataques ao mundo islâmico foram os melhores aliados de Bin Ladin, indaga se não havia alternativa e aponta aquela que seria a mais óbvia: o movimento Jihadi Islâmico, crítico ferrenho de Bin Ladin, poderia ter abandonado o movimento e minado todas as ações da al-Qaida e o crime contra a humanidade que foi cometido poderia ter sido tratado como crime com uma ação internacional para prender os responsáveis, mas como dissemos acima, os ataques já constavam dos planos até mesmo antes da posse de Bush filho e antes do 11/9 e sem ou com os ataques criminosos o que se queria mesmo era ocupar o Afeganistão e o Iraque e ousamos dizer: como passo inicial. Bin Ladin ainda viveu para ver um dos resultados das aventuras dos Estados Unidos e seus aliados nas guerras e interferências nos países árabes e muçulmanos que levaram diretamente para a crise econômica que começou em 2008 e só Allah sabe quando e se de fato terá solução.José Farhat é cientista político e diretor de relações nacionais e internacionais do Instituto da Cultura Árabe.

Logo após o ataque às Torres Gêmeas, em 9 de setembro de 2001, e até há poucos anos depois, quem ousasse interromper um jogo de gamão ou a baforada de um narguilé, em qualquer café de Beirute ou Clube de árabes em São Paulo e perguntasse quem foi o autor do atentado, é provável que ouvisse uma quase unânime resposta: “C.I.A. e Mossad”! Escrevemos um relato intitulado Onze de Setembro Sete Anos Depois, em 11/09/11, dando conta desta linha de pensamento árabe e também muçulmano, por andarem em paralelo.

Sex, 16/09/2011 - 14:23

 

Contra ditadores, até pode ser. A favor dos EUA-OTAN, nunca!13/8/2011, Ali Younes, Palestine Chroniclehttp://www.palestinechronicle.com/view_article_details.php?id=17039Desde a deposição do presidente da Tunísia Zinelabidine Bin Ali, em janeiro passado, no primeiro movimento do que viria a ser conhecido como “Primavera Árabe”, o mundo árabe acompanha uma sequência de levantes e revoltas contra ditadores e tem produzido avaliações nem sempre concordantes do própria contexto político. A Tunísia ainda vive sob o caos controlado que se seguiu ao colapso do antigo regime; o Egito sofre crescente instabilidade, em função das agendas divergentes dos diferentes grupos políticos. Mas nem na Tunísia nem no Egito assistiu-se à destruição massiva e a massacre de civis semelhantes aos que se veem hoje na Líbia e na Síria.Intelectuais, escritores e jornalistas árabes que apoiaram e saudaram com entusiasmo os levantes na Tunísia e no Egito expõem agora posições mais complexas nos casos de Líbia e Síria. Os intelectuais públicos no mundo árabe estão divididos no que tenha a ver com os eventos na Síria e na Líbia, embora a opinião pública esteja claramente contra as ditaduras que sobrevivem no Iêmen, na Síria e na Líbia.Contudo, o envolvimento da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) na Líbia e o apoio que deu aos chamados ‘rebeldes’ líbios comprometeram indelevelmente o caráter democrático do levante na Líbia, na opinião de vários intelectuais públicos do mundo árabe. O fato de o ocidente e a OTAN terem-se envolvido tão profundamente nesses e noutros levantes árabes criou um dilema para muitos pensadores e militantes democráticos árabes. Intelectuais que dedicaram a vida e a carreira a escrever contra qualquer intervenção do Ocidente na política árabe, veem-se agora perplexos ante a extensão do envolvimento e do apoio material e moral que o Ocidente tem garantido a alguns daqueles levantes, embora não a todos.Abdel Bari Atwan, editor do jornal panárabe Al Quds Al Arabi escreveu editorial, mês passado, declarando-se contra os ataques aéreos da OTAN na Líbia; para ele, além do inaceitável número de civis mortos, a OTAN está destruindo cidades, estradas, infraestrutura em geral. Atwan não esconde sua oposição aos chamados ‘rebeldes’ líbios e suas lideranças políticas, que acusa de serem financiados pela OTAN e pela União Européia. Atwan oferece a hipótese de que aqueles ‘líderes’ que lá estão só assumiram o comando dos ‘rebeldes’ depois de o filósofo e jornalista francês Bernard-Henri Levy ter manifestado publicamente seu apoio a eles, quando visitava Benghazi como enviado especial do presidente Sarkozy da França.Levy é nome conhecido na Região pelo apoio irrestrito que sempre deu às políticas de Israel; é citado como autor da frase “o exército de Israel é o mais democrático do mundo”. Levy também já exigiu intervenção militar na Síria, para depor o governo de Bashaar Al Assad. O ativismo de Levy parece ter complicado ainda mais as coisas. Atwan diz que Levy é uma das razões pelas quais, embora não apoie o governo de Gaddafi, absolutamente não apoia os planos políticos dos ‘rebeldes’ de Benghazi.Atwan não está sozinho nessa posição, de desejar apoiar os direitos democráticos das sociedades árabes, sua luta por mais liberdade e por direitos civis respeitados para todos, mas, simultaneamente, rejeitar qualquer tipo de intervenção dos EUA e do ocidente na política da Região.Lina Abubaker, romancista, poeta e colunista que vive em Londres e também escreve no jornal de Atwan publicou uma nota pelo Facebook no início do mês, alertando para a existência de um “novo mapa do caminho” que visaria a dividir ainda mais os árabes. Para ela, os levantes árabes seriam efeito de uma espécie de conspiração que visaria a “decapitar os governos e manter intactos os corpos”. Para ela, haveria aí uma muito ampla conspiração, pensada pelos EUA para dominar o mundo árabe, servindo-se do que ela chama de “terrorismo dos EUA contra os árabes”. “Os levantes populares são o novo terrorismo norte-americano. Será que vocês nunca aprendem?!” – perguntou ela, em referência à ocupação norte-americana no Iraque.Duas outras linhas de ideias estão alimentando as percepções sobre a Primavera Árabe dentro do mundo árabe. Uma delas entende que os levantes sejam movimentos de libertação nacional indígenas que, eventualmente, levarão a governos democráticos. A outra entende que os levantes são, sim, plano inspirado pelo ocidente para fragmentar definitivamente os estados árabes – o que favoreceria as ambições de EUA e Israel para a Região.Mohammad Dalbah, jornalista árabe-norte-americano que vive em Washington entrevistou intelectuais árabes, aos quais perguntou por que havia entre eles opiniões tão fortemente polarizadas sobre os levantes populares de 2011, e definiu dois grupos. No primeiro grupo Dalbah reuniu os intelectuais que classificou como “nacionalistas e patriotas árabes” – que interpretam os eventos na Região de um ponto de vista estratégico, assumindo, como critério para apoiar ou não cada levante, caso a caso, o conflito entre israelenses e árabes.No segundo grupo estão os “árabes liberais” – que pregam o fim de todas as ditaduras e a constituição de governos democráticos e não veem qualquer inconveniente em qualquer tipo de intervenção do Ocidente para alcançar esses objetivos (por exemplo, no caso da Líbia). Falta, de fato, um terceiro grupo, no qual se reuniriam os que apoiam o fim das ditaduras mediante luta popular, sem qualquer tipo de intervenção de forças ocidentais.Explicando a ausência desse terceiro grupo, Dalbah, que é jornalista veterano do mundo árabe, argumenta que o regime sírio, por exemplo, não exige necessariamente o fim da longa ocupação de territórios palestinos pelos israelenses, como tampouco exige o fim da ocupação, pelos israelenses, sequer, das planícies sírias do Golan. “O que distingue o regime sírio, dentre os demais estados árabes, é a recusa a seguir os planos dos EUA para a Região”, diz ele. Mas essa recusa não é feita por princípios e explica-se porque o governo sírio, de fato, aspira a “ter papel central na Região, em troca de promover qualquer acordo que ponha fim ao conflito entre árabes e israelenses” – acrescenta Dalbah.Em outras palavras, a posição dos sírios na questão do conflito entre israelenses e palestinos e a ‘resistência’ contra EUA e Israel seriam decisões táticas, não estratégicas. Além do mais, os que apóiam o regime sírio apóiam-no porque os sírios recusam-se a render-se à hegemonia dos EUA na Região, a qual, por extensão, segundo esse ponto de vista, implicaria completa rendição a Israel.Mwaffaq Mahadin, escritor e colunista jordaniano, cujas posições o inserem no grupo dos “nacionalistas árabes” de Dalbah, manifestou-se, em coluna recentemente publicada no diário jordaniano Al Arab Al Yawm, contra qualquer tipo de apoio ao levante contra Bashar. Mahadin argumenta que o pensamento que anima os levantes da Primavera Árabe é um combinado de magnatas das finanças ocidentais (como George Soros) e de cientistas políticos norte-americanos (como Gene Sharp), que pregam a resistência não violenta à opressão.Em sua mais recente coluna, Mahadin argumenta que Israel, ajudada pelos EUA, trabalha para fragmentar e dividir os países árabes, para continuar a controlá-los. Para chegar a isso, Israel e seus aliados ocidentais recorrem hoje a uma “fragmentação soft” mascarada de “reformismo” e de “democracia”. Isso não implica dizer que intelectuais como Mahadin sejam contrários às reformas ou à democracia; mas, para eles, nem reformas nem democracia são questões prioritárias nesse momento; a prioridade, agora, para eles, é resistir à ocupação israelense e à dominação do mundo árabe pelos EUA.Outro grupo que já apoia a derrubada do governo Baath da Síria e quer mais democracia, mesmo que ao custo de intervenção estrangeira, são os signatários da “Declaração de Damasco” – assinada em 2005 por 250 nomes da oposição síria, que advoga transição e reformas graduais na política da Síria. Dalbah argumenta que figuras importantes desse grupo, como o escritor Michel Kilo, já estão bem próximas de aceitar e passar a apoiar a ideia de uma intervenção militar em seu país, se esse for o meio mais eficaz para arrancar o governo Assad do poder.Têm havido manifestações anti-Assad diárias em Amman, Beirute, Kuwait, Manama e em várias outras cidades, todas exigindo o fim do governo de Assad e família; mas nenhuma manifestação, até agora, em lugar algum, deu sinal de apoiar, ainda que longinquamente, qualquer tipo de intervenção militar ocidental na Síria.

Desde a deposição do presidente da Tunísia Zinelabidine Bin Ali, em janeiro passado, no primeiro movimento do que viria a ser conhecido como “Primavera Árabe”, o mundo árabe acompanha uma sequência de levantes e revoltas contra ditadores e tem produzido avaliações nem sempre concordantes com o próprio contexto político.

Qua, 17/08/2011 - 23:45

 

Ditadores árabes seguram-se... mas até quando?Esse seu correspondente para o Oriente Médio não está prometendo nada, talvez, talvez, nada é garantido, mas é possível que esteja próximo – e como detesto esse clichê –, para a Síria, o ponto de não-retorno. 100 mil pessoas (no mínimo) nas ruas de Homs; há notícias de deserções entre os soldados da academia militar síria. Um trem inteiro descarrilado – por agentes “sabotadores” segundo autoridades sírias; pelo próprio governo, segundo os manifestantes que exigem o fim do governo do partido Baath. E tiroteios à noite, em Damasco. O artigo é de Robert Fisk.Robert Fisk - The IndependentEmbora se saiba que vive mudando de direção conforme sopre o vento, Walid Jumblatt começou a fazer comentários pessimistas sobre a Síria.O líder druso, chefe do Partido Socialista Progressista do Líbano, ‘senhor-da-guerra’, foi quem sugeriu que dever-se-ia esquecer o Tribunal Especial da ONU e as investigações sobre o assassinato do ex-primeiro-ministro libanês Rafiq Hariri, em nome de defender “mais a estabilidade que a justiça”. Ouviu urros de ira de Saad Hariri, filho do ex-primeiro-ministro, que atualmente perambula pelo mundo para ficar bem longe do Líbano – o que é compreensível, porque teme ser também assassinado –, enquanto a Irmã Síria cala-se para o oriente. Agora, Jumblatt anda dizendo que há forças na Síria que impedem qualquer reforma.Parece que “alguns” no regime do Partido Baath não querem ver traduzidas em ação as promessas de reforma que o presidente Bashar al-Assad tem feito. Soldados não devem atirar contra civis. Jumblatt diz que a lição da Noruega é útil também para o regime sírio; o mundo árabe não deixou de anotar que as sandices que Anders Breivik distribuía pela internet incluíam a exigência de que os árabes deixassem para sempre a Cisjordânia e Gaza.Esse seu correspondente para o Oriente Médio não está prometendo nada, talvez, talvez, nada é garantido, mas é possível que esteja próximo – e como detesto esse clichê –, para a Síria, o ponto de não-retorno. 100 mil pessoas (no mínimo) nas ruas de Homs; há notícias de deserções entre os soldados da academia militar síria. Um trem inteiro descarrilado – por agentes “sabotadores” segundo autoridades sírias; pelo próprio governo, segundo os manifestantes que exigem o fim do governo do partido Baath. E tiroteios à noite, em Damasco. Assad ainda estará contando com que medos sectários mantenham o apoio que a minoria alawita e os cristãos e os drusos ainda lhe dão? Manifestantes dizem que seus líderes estão sendo assassinados por pistoleiros do governo; que centenas de manifestantes, talvez milhares, foram presos. Será verdade? Será mentira?O braço sírio é longo. Em Sidon, cinco soldados italianos da ONU foram feridos, depois que Berlusconi uniu-se à União Europeia e condenou a Síria. Depois, Sarkozy uniu-se à mesma condenação e – bang! – cinco soldados franceses foram feridos na mesma cidade, essa semana. Bomba sofisticada. Todos desconfiam da Síria, mas, com certeza, nada se sabe. A Síria tem apoiadores entre os palestinos do campo Ein el-Helweh em Sidon. E, então, Hassan Nasrallah do Hezbollah anuncia que seus militantes vão dar proteção e cobertura aos campos libaneses submarinos de petróleo ainda não prospectados: o perigo é Israel. São 550 milhas quadradas de águas mediterrâneas ao largo de Tiro – e não se sabe sequer, com certeza, se são águas territoriais libanesas. Aí há, claramente, motivo para mais uma guerra. E, lá no Egito, o velho ex-presidente irá a julgamento com seus filhos Gamal e Alaa Mubarak, na 4ª-feira, além de outros dos favoritos da corte de Hosni Mubarak. Os ministros da Justiça e da Inteligência, hoje, são antigos auxiliares de Mubarak: permanecem, pois, no poder. O que significa isso? Os velhos Mubarakistas seguram-se? Os sauditas ofereceram milhões ao exército egípcio para que Mubarak não fosse julgado – muitos querem condená-lo à morte; o exército gostaria de executá-lo hoje mesmo. E enquanto isso, os sauditas dão tudo que podem para defender o Bahrain e outros potentados do Oriente Médio. Estão preparados para deixar Gaddafi ser derrubado (Gaddafi tentou assassinar o rei, vezes demais). Os sauditas ainda não entenderam qual a posição de Obama em relação à Síria – desconfio que Obama, tampouco. Mas o presidente dos EUA deve estar contentíssimo por não ter soldados norte-americanos no Líbano, nas tropas de paz da ONU. Todos sabemos o que aconteceu com o último pelotão de norte-americanos que lá esteve (1983, na base dos Marines, 241 mortos, um suicida-bomba, a maior explosão que o mundo ouviu desde Nagasaki).“Foram obrigados a levar Mubarak a julgamento” – disse-me um jornalista egípcio, semana passada. “A rua incendiaria o país, se não fosse levado a julgamento”. Promete ser o julgamento do século no Egito (o Independent lá estará). O que me leva de volta ao nosso velho amigo Kaddafi, o ditador árabe que não combina exatamente com os demais déspotas. Nesse momento, o mundo político na Líbia é enxame de Kerenskys. – Os Aliados não terem vencido a guerra para os Russos Brancos contra os Bolcheviques depois do conflito 1914-18 acorda alguns fantasmas infelizes que bem farão se assombrarem hoje os também tão infelizes quanto cobertos de medalhas comandantes da OTAN. (Deveriam estudar, na biblioteca da OTAN, o envolvimento de Churchill.)De fato, o fracasso dos ‘rebeldes’ líbios parece mais semelhante à exaustão de Sharif Hussain depois de capturar Mecca, em 1916; foram necessárias armas de Lawrence e dos britânicos (e muito dinheiro e muitos coturnos em terra) para por em pé novamente o herói, para enfrentar os turcos. Infelizmente, não há Sharif Hussain na Líbia. Assim sendo, porque, diabos, os britânicos nos metemos naquela loucura? (Desconsidero, nesse raciocínio, os assassinatos e confusão geral em Benghazi nas últimas 48 horas.) Teria sido para proteger civis em Benghazi? Há quem acredite que sim. Mas... por que, então, Sarkozy atacou primeiro? O professor Peter Dale Scott da Universidade da Califórnia em Berkeley tem opinião formada: Kaddafi estava trabalhando para criar uma “União Africana” apoiada na moeda do Banco Central da Líbia e em suas próprias reservas em ouro; se fizesse o que planejava fazer, a França perderia a extraordinária influência financeira que sempre teve em suas principais ex-colônias da África Central. O muito divulgado plano de Obama, de impor sanções à Líbia – confiscar dinheiro do “Coronel Kaddafi, seus filhos e sua família e dos principais membros de seu governo” – ajudou a ocultar a parte das sanções que confiscaram também “todas as propriedades e investimentos do Governo da Líbia e do Banco Central da Líbia”. No subsolo do Banco Central, em Trípoli, há, em ouro e moedas, 20 bilhões de libras, guardadas para implantar três projetos da federação centro-africana.E já que estamos nesse tema, examinemos rapidamente uma guerra de ingleses no Afeganistão. Eis o que escreveu uma comissão que investigou a participação (e já quase completa derrota) dos britânicos, naquela guerra: “Nosso objeto (...) é auxiliar nossos concidadãos a entender as vias pelas quais foram envolvidos numa guerra contra a nação afegã e o que tenham a declarar, sobre o sentido dessa guerra, os autores. Não apenas o governo não consultou o Parlamento nem houve qualquer comunicação àquele corpo político de qualquer mudança na política britânica que nos levasse a envolver-nos naquele conflito, mas, além disso, quando o governo foi interrogado sobre suas razões, respondeu por vias oblíquas, respostas construídas para nada informar e desviar a atenção do Parlamento. De fato, assim aconteceu: o governo conseguiu enganar até os mais atilados funcionários e especialistas e, através deles, toda a nação.” A citação lá está, no relatório final da investigação, pelo Parlamento britânico, da Segunda Guerra do Afeganistão. A data? 1879.Tradução: Coletivo Vila Vudu

Esse seu correspondente para o Oriente Médio não está prometendo nada, talvez, talvez, nada é garantido, mas é possível que esteja próximo – e como detesto esse clichê –, para a Síria, o ponto de não-retorno. 100 mil pessoas (no mínimo) nas ruas de Homs; há notícias de deserções entre os soldados da academia militar síria. Um trem inteiro descarrilado – por agentes “sabotadores” segundo autoridades sírias; pelo próprio governo, segundo os manifestantes que exigem o fim do governo do partido Baath. E tiroteios à noite, em Damasco.

Sex, 12/08/2011 - 12:20

 

Em abril último, a revista Veja – talvez seguindo as orientações do Departamento de Estado dos EUA – fez estardalhaço com uma reportagem sobre “A rede do terror no Brasil”. Deu capa e várias páginas sobre a presença de “grupos terroristas islâmicos no território nacional”, mas não apresentou provas concretas para justificar as suas graves acusações. A “reporcagem” informava apenas que teve acesso a documentos sigilosos da CIA, a central terrorista dos EUA, e de outros órgãos policiais. Agora, na quinta-feira (30), a juíza Cláudia Maria Pereira Ravacci, da 35ª Vara Cível de São Paulo, condenou o panfleto colonizado da famiglia Civita por estimular o ódio e o preconceito religioso, tentando associar o islamismo ao terrorismo. Segundo informa a repórter Mariana Ghirello, do sítio Última Instância, a revista será obrigada a dar o mesmo espaço e destaque para uma reportagem sobre a cultura islâmica. Cabe recurso, mas a revista Veja saiu novamente com a sua imagem danificada.“Reporcagem” ofensiva e tendenciosaA ação judicial exigindo direito de resposta foi movida pela União Nacional das Entidades Islâmicas, que congrega 16 entidades. Segundo o advogado da entidade, Adib Abdouni, a matéria da Veja é “ofensiva e tendenciosa” e “fere o sentimento religioso islâmico”, que tem mais de 1 bilhão de seguidores no mundo. A partir de denúncias sem consistência, ela generaliza a crítica, insinuando que todo islâmico é terrorista e que o território brasileiro serve de base de operação para grupos anti-estadunidenses.O objetivo do direito de resposta é “desvincular a idéia de terrorismo junto à fé professada pelos mulçumanos... As ofensas contidas no texto impugnado causam lesão aos direitos da coletividade mulçumana, dando ensejo ao direito de resposta reivindicado”, comemora o advogado. “De acordo com a petição, houve uma audiência reservada na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, na Câmara dos Deputados, na qual o ministro da Justiça afirmou que as informações publicadas eram falsas. A União alega que no Brasil a Constituição Federal assegura a liberdade de crença e religiosa”, informa repórter.

Em abril último, a revista Veja – talvez seguindo as orientações do Departamento de Estado dos EUA – fez estardalhaço com uma reportagem sobre “A rede do terror no Brasil”. Deu capa e várias páginas sobre a presença de “grupos terroristas islâmicos no território nacional”, mas não apresentou provas concretas para justificar as suas graves acusações. 

Qui, 14/07/2011 - 23:49

 

Publicado pela EDUSP, o trabalho busca compreender os sentidos sociais e emocionais da experiência feminina de viver só conjugalmente no ocidente contemporâneoA partir de pesquisas voltadas aos novos modos de subjetivação femininos, busco compreender fenômenos atuais pouco investigados academicamente, dando voz às mulheres implicadas nesses processos. Como a cidade de São Paulo abriga filhas de imigrantes diversos, na constituição polifônica dessas investigações também contei com significativos relatos de mulheres descendentes de árabes.      Lançado recentemente pela EDUSP, “Solidão-Solitude: passagens femininas do estado civil ao território da alma” é um trabalho que busca compreender os sentidos sociais e emocionais da experiência feminina de viver só conjugalmente no ocidente contemporâneo, aproximando-se do extenso campo das relações entre homens e mulheres e da complexa constituição do feminino e do masculino, ao longo do tempo.  Resultado de pesquisa interdisciplinar para doutoramento no IPUSP, esse trabalho oferece o fecundo encontro entre as mulheres entrevistadas e os autores selecionados, contrapondo dialogicamente narrativas pessoais e textos das ciências humanas e sociais. Sob perspectiva teórico-metodológica de inspiração bakhtiniana (ética, estética e epistemológica), promove  a reunião de conhecimentos históricos, demográficos, sociológicos e psicanalíticos com o saber poético. Percorre um caminho singular que se estende da externalidade do mundo para a interioridade da vida emocional, atravessando a superfície de certos registros sócio-históricos até alcançar a profundeza dos domínios da alma.Nesse estudo, a solidão não se refere apenas à situação objetiva de privação da companhia de alguém, mas ao fato de se sentir solitário, mesmo na presença de outros: uma experiência negativa e angustiante, em que prevalecem sentimentos de vazio, de desespero e abandono, causados pela ausência ou perda da presença simbólica do outro, na interioridade de si.   Por outro lado, temos a solidão positiva, ou solitude, que expressa a conquista da possibilidade de ficar só de um modo sereno, confiante e criativo. Trata-se de estar sozinho e, paradoxalmente, muito bem acompanhado, porque o outro está sempre presente dentro de si (ainda que ausente concretamente). E essa importante aquisição, segundo hipóteses psicanalíticas, depende da sustentação emocional ofertada ao bebê desde sua chegada ao mundo e também das oportunidades e experiências culturais oferecidas pela família e pela sociedade, ao longo da vida de todo ser humano. Podemos, portanto, avaliar a solitude como uma conquista humana. Essa solidão positiva, ficar só e em boa companhia, em suas complexas injunções psíquicas e sociais, embora ainda seja pouco reconhecida e valorizada culturalmente, nos permite concluir que assim como as relações interpessoais, também o silêncio e a quietude se revelam mestres de uma vida plena e criativa, conectada com as profundezas da alma, do corpo e do mundo que nos rodeia.  Luci Helena Baraldo Mansur - membro filiado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, mestre e doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo, autora do livro “Sem filhos: a mulher singular no plural”, Editora Casa do Psicólogo.                                                           

Publicado pela EDUSP, o trabalho busca compreender os sentidos sociais e emocionais da experiência feminina de viver só conjugalmente no ocidente contemporâneo.

Qui, 16/06/2011 - 20:24

 

Israel após 63 anosEm 15 de maio último, Israel completou 63 anos. Aparentemente, há muitos motivos para comemorar.Nas ruínas da Palestina plural, engendrada ao longo de milhares de anos, pela mistura e encontro de povos, os sionistas criaram seu singular Estado exclusivamente judeu.Após limpeza étnica e genocídio contra os nativos daquela Terra, sobraram poucos palestinos em Israel. São tratados como estrangeiros e cidadãos de terceira categoria dentro de sua própria pátria. Vivem ameaçados de expulsão a qualquer hora.Os palestinos nos territórios ocupados em 1967 vivem em bantustões, guetos e campos de prisioneiros, controlados por Israel.O resto dos palestinos, que vivem nos miseráveis campos de refugiados nos países vizinhos, são problema criado pelos judeus, mas a ser resolvido pelos árabes, conforme apologia sionista.Após 63 anos, os palestinos não representam de fato uma ameaça real para o Estado Judeu, pelo menos a curto prazo. Por que então não há comemoração em Israel?É verdade que o processo de paz entre árabes e israelenses está paralisado. Mas isso não deveria causar maiores preocupações para Israel, porque quando as negociações retornarem, a chamada comunidade internacional se submeteria novamente à posição israelense, resumida a seguir.A paz na região significa a segurança absoluta do Estado judeu e rendição árabe, mesmo quando essa alegada segurança significa negar o direito básico dos palestinos e árabes em geral e violar o Direito Internacional.A segurança de Israel é uma constante imutável da política americana e européia em geral. Todos os presidentes americanos e líderes europeus, antes de mencionar paz, justiça, Deus ou qualquer outro assunto, lembram de seu compromisso inabalável com a segurança e futuro do Estado Judeu.É inimaginável alguém no mundo perguntar por que um Estado rico e armado até os dentes, com todo seu arsenal nuclear e potência financeira mundial, necessita de garantias internacionais para sua segurança, enquanto os palestinos, miseráveis, expulsos da sua terra, massacrados, presos em guetos e campos, não merecem ao menos o mesmo tratamento, ou pelo menos terem mencionados seus anseios em relação a sua segurança e seu futuro?Por que tentar responder essas perguntas, se é Israel quem controla os governos americanos, independentemente de quem ocupa a Casa Branca, como declarou o então primeiro ministro Israel Sharon?Por que então não comemorar?Os sionistas criaram o Estado mais potente no Oriente Médio, capaz de enfrentar todos os países árabes juntos. Recebe apoio político incondicional de seu patrocinador e servo americano, além da mais do que generosa ajuda financeira, que ultrapassa os 3 bilhões de dólares anuais, fora das doações das comunidades judaicas ao redor do mundo.Israel, apesar de tudo o que fez e está fazendo, continua sendo tratado como parte da civilização ocidental, goza de impunidade total, apesar de seus crimes contra os palestinos e vizinhos árabes e desrespeito ao Direito internacional em relação a vários países, inclusive Estados Unidos, Argentina, Itália, Rússia etc.Os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade deixam de ser crimes, se praticados por Israel.Nenhum país no mundo desrespeitou e viola de forma sistêmica e intencional as leis e resoluções internacionais, como faz Israel, sem ser punido sequer uma vez.O mundo que se auto-proclama civilizado adotou novos conceitos em relação a Israel: massacrar crianças árabes é ato de auto-defesa; campos de concentração para palestinos em Gaza e Cisjordânia são Estado palestino; negar os direitos básicos dos palestinos a um Estado livre e independente é garantia de segurança para Israel; discriminação contra os não judeus em Israel é necessário para manter o caráter judaico do Estado; ter lei de retorno de dois mil anos a judeus e negar o direito dos palestinos expulsos desde 1948 a retornar é essência do Estado judeu; “democracia” que exclui uma significativa parte da população (os não judeus) é “democracia” etcO Ocidente, hipócrita e não totalmente redimido de seu passado colonialista, não apenas aceita e defende essas distorções e anomalias, mas exigem que os palestinos e árabes devem se submeter a elas.Após 63 anos, não há comemorações em Israel e não poderia ser diferente. Um Estado projetado, construído e mantido com princípios racistas, no século XX e nesse início do século XXI, não apenas enfrenta as sombras do passado e presente criminosos, como também as incertezas de seu futuro.Questões como cidadania, nacionalidade, quem é judeu, relação com os palestinos “cidadãos” do Estado judeu e palestinos em geral, a relação de Israel com seus vizinhos árabes, aceitar ou não um Estado Palestino, os refugiados, as fronteiras indefinidas, Constituição inexistente e muitas outras questões não podem ser ignoradas por muito tempo.A resposta sionista a todas essas questões é simples: construir o maior gueto de todos os tempos. A espada e a muralha de aço são as únicas respostas que os sionistas apresentam.Os sionistas nada aprenderam dos sábios judeus não sionistas. Aquele que mata com espada, com espada morrerá.Israel é um projeto colonialista inacabado. Suas vítimas estão vivas e determinadas a viver e corrigir a injustiça histórica cometida contra o povo palestino e sua pátria.Os milhões massacrados, destinados a serem esquecidos, estão batendo às portas da Palestina.As casas palestinas, historicamente, tinham janelas olhando para o céu e portas sempre abertas.Os muros não fazem parte da paisagem palestina.É uma questão de tempo para os verdadeiros donos do espaço e tempo palestinos devolverem à Palestina sua verdadeira essência: terra de todas as religiões e todos os profetas, terra livre para homens livres!Abdel Latif Hasan Abdel Latif, médico palestino.

Em 15 de maio último, Israel completou 63 anos. Aparentemente, há muitos motivos para comemorar. Nas ruínas da Palestina plural, engendrada ao longo de milhares de anos, pela mistura e encontro de povos, os sionistas criaram seu singular Estado exclusivamente judeu.

Seg, 06/06/2011 - 21:10

 

A Praça Tahrir, no coração do Cairo, já é o símbolo de um povo que derrubou um regime corrupto e autoritário: uma ditadura que combinava repressão doméstica com submissão à política dos Estados Unidos e seus aliados, que durante 30 anos deram apoio político, financeiro e militar a Mubarak.Esses governantes e vários analistas internacionais têm uma visão preconceituosa, superior e hipócrita em relação às sociedades árabe e islâmica. Preconceituosa porque subestimaram os anseios democráticos e a capacidade de mobilização dos povos egípcio e tunisiano. Superior porque a visão desses dirigentes e analistas reduz uma parte do mundo à situação de região tutelada e inferior, protegendo regimes autoritários que atendam a seus interesses geopolíticos e econômicos. E hipócrita porque dissimularam ignorar as inúmeras revoltas árabes desde a época do colonialismo britânico e francês no Oriente Médio e no Norte da África. Essas revoltas se prolongaram mesmo depois da independência no século passado, quando vários desses países tornaram-se novos protetorados ou "aliados", alguns dos EUA, outros da ex-União Soviética.O Egito é o farol cultural do mundo árabe. Apesar da enorme desigualdade social e da repressão durante a era Mubarak, as classes média e operária egípcias reúnem centenas de milhares de pessoas politizadas ou razoavelmente informadas. Além disso, a produção acadêmica das universidades do Cairo e de Alexandria, a obra de romancistas, poetas, críticos, músicos e cineastas, os jornais e revistas (mesmo censurados) não são nem de longe desprezíveis. No ensaio Depois de Mahfuz, Edward Said ressaltou que o escritor egípcio e prêmio Nobel de literatura "pôde contar com a integridade vital e a densidade cultural do Egito. Apesar de sua longuíssima história, da variedade de seus componentes e das influências que sofreu - faraônica, árabe, muçulmana, helenística, europeia, cristã, judaica, etc. -, o Egito possui uma estabilidade e uma identidade que não desapareceram nos tempos atuais" (in: Reflexões sobre o Exílio, ed. Companhia das Letras). Said sublinha que o Egito, "devido a seu tamanho e poder, sempre foi um locus de ideias e movimentos árabes".Vários comentadores de política internacional, em vez de analisarem o significado histórico de uma insurreição popular, preferem insistir no risco de o Egito tornar-se um Estado teocrático. Mas eles sabem que a Irmandade Muçulmana não mantém vínculos políticos e religiosos com o Irã, muito menos com o Paquistão e a Arábia Saudita, dois aliados (nada democráticos) dos Estados Unidos. Vários candidatos dessa Irmandade que conquistaram um mandato no parlamento egípcio foram proibidos de tomar posse, algo que, no passado recente, ocorreu com políticos muçulmanos em eleições na Argélia e em Gaza.No levante popular contra Mubarak, os partidários da Irmandade Muçulmana somaram-se a centenas de milhares de egípcios laicos, coptas e católicos, de diferentes matizes ideológicos. É incompreensível, senão hipócrita e desonesto, que essas vozes quase histéricas contra partidos muçulmanos não critiquem a extrema-direita europeia e norte-americana, em que há figuras sinistras como o francês Le Pen (para quem as câmaras de gás do nazismo eram apenas "detalhes"), ou o partido austríaco e abertamente racista do finado Heider, ou Sarah Palin (a musa do Tea Party), com seu conservadorismo radical, de fundo religioso e pendor bélico: versão feminina de George W. Bush, que inventou a existência de armas químicas no Iraque para justificar uma guerra que destruiu esse país e matou centenas de milhares de inocentes. Nada dizem sobre a atual política israelense, que inviabiliza qualquer perspectiva de paz, pois estimula a demolição de casas e a usurpação de terras palestinas, além de manter a mais longa ocupação militar da história moderna, sem contar as afirmações de ódio racista, como a do influente rabino Ovadia Yosef, que declarou: "o povo palestino deveria desaparecer do mundo" (O Estado de S. Paulo, 30/8/10, A11). Tal declaração é tão sinistra quanto à do atual presidente do Irã, que afirmou querer varrer Israel do mapa.Mas a imensa maioria dos analistas norte-americanos (e já nem falo da falaz Fox News e congêneres) só foca suas análises tendenciosas e rasteiras na ameaça dos partidos políticos muçulmanos, como se estes fossem incapazes de participar de uma democracia. Como disse o escritor tunisiano Habib Selmi ao jornal El País (11/02/2011-Portal UOL): "O que aconteceu na Tunísia e no Egito, e pode ser que aconteça muito em breve na Argélia, prova que os árabes, ao contrário de tudo o que se diz no Ocidente com uma certeza tingida de arrogância, sentem um profundo apego pela liberdade e a democracia". WWW.miltonhatoum.com.br

A Praça Tahrir, no coração do Cairo, já é o símbolo de um povo que derrubou um regime corrupto e autoritário: uma ditadura que combinava repressão doméstica com submissão à política dos Estados Unidos e seus aliados, que durante 30 anos deram apoio político, financeiro e militar a Mubarak.

Qui, 02/06/2011 - 12:35

Os excitantes ventos norte-africanos da grande revolta/primavera árabe de 2011 cruzaram o Mediterrâneo e atingiram a Ibéria com força. Numa rebelião social sem precedentes, a Geração Y na Espanha protesta forte contra – dentre outras coisas – a terrível crise econômica; o desemprego em massa, que alcança espantosos 45% entre os de menos de 30 anos; e contra o encarquilhado sistema político espanhol que trata o cidadão como mero consumidor.

Qua, 25/05/2011 - 14:21

 

A “guerra contra o terror” não possui um inimigo homogêneo representado na figura de Bin Laden como quer fazer-nos acreditar os EUA. Existem diversos grupos que, por compartilharem alguns interesses comuns, estabeleceram alianças estratégicas. Como muitos já alertaram, não é possível carimbar como terror islâmico tudo aquilo que contesta a ocupação militar dos EUA naquela região. Quem será o próximo monstro a ser executado em nome da humanidade? O artigo é de Reginaldo Nasser e Marina Mattar Nasser.Uma das grandes perguntas que se colocam agora, após a morte de Bin Laden, diz respeito ao futuro da Al-Qaeda e da “guerra contra o terror” iniciada pelos Estados Unidos logo após os atentados do 11 de Setembro. Com a morte de seu líder, a Al -Qaeda se enfraquecerá? Isso representa a vitória dos EUA contra o terrorismo? Afinal, o que representa a morte de Bin Laden? Em que muda a situação atual no Iraque, Afeganistão e em seus países vizinhos? A imagem da Al-Qaeda construída pela política externa norte-americana e veiculada pela mídia ocidental mostra-nos uma organização forte e homogênea com atuação global cujo principal objetivo é o de combater a civilização ocidental e reestabelecer o regime de Califados no mundo islâmico. A Al-Qaeda, entretanto, funciona mais como uma empresa de capital de risco, proporcionando dinheiro, contatos e assessoria a numerosos grupos e indivíduos militantes de todo o mundo islâmico. Ou seja, a organização tem como estratégia vincular aos grupos locais que não necessariamente compartilham seus ideais e objetivos, mas que por interesses circunstanciais, estabelecem uma aliança. Em muitos casos, a relação destes grupos com a Al-Qaeda é apenas nominal. Talvez por esta razão que os EUA e as informações da grande imprensa não tenham percebido – ou revelado - que a Al-Qaeda está se enfraquecendo há anos. Em 2007, o atual número 1 da Al-Qaeda, al-Zawahiri, percebendo a crescente impopularidade da organização, realizou um debate aberto em um fórum de jihadistas, de perguntas e respostas, no qual foi amplamente questionado sobre a morte de civis muçulmanos em atentados realizados pela a Al-Qaeda. Diversas pesquisas mostram a crescente queda em popularidade da Al-Qaeda em diversas sociedades do mundo árabe e islâmico após terem sofrido atentados terroristas da organização. Um bom exemplo disso é a Jordânia, onde o índice de aprovação da Al-Qaeda entre a população teve uma queda brusca de 70%(quando?) para 10% no ano de 2005 quando três explosões em hotéis da capital Amman mataram e feriram centenas de pessoas, muitas delas estavam celebrando um casamento. Em pesquisa desenvolvida pelo centro PEW sobre a confiança das populações muçulmanas de diversos países do mundo árabe e islâmico em Bin Laden prova que os diversos atentados da Al-Qaeda que mataram civis muçulmanos afetou, em grande medida, sua popularidade entre as sociedades. No Paquistão, sua popularidade caiu de 46%, em 2003, para 18% em 2010; na Palestina, de 72% para 34%; e na Jordânia, caso de maior índice de queda, de 56% para 13%.De acordo com relatório da RAND Corporation de 2008, houve uma mudança na estratégia do braço da Al-Qaeda no Iraque, a partir de 2005, quando deixaram de atacar os oficiais dos EUA e de seus aliados e passaram a atacar a própria sociedade iraquiana, o que não foi bem recebido pela população. A onda de atentados entre 2005 e 2007 liderada pela Al-Qaeda iraquiana matou, em média, 16 civis por dia. Durante todos os anos de guerra, de 2003 aos dias atuais, os anos de 2006 e 2007 foram os que mais civis morreram, superando, até mesmo, os bombardeios dos EUA em 2003.Basta perceber que a Al-Qaeda não está presente na chamada primavera árabe. Estes movimentos civis, por meio de protestos pacíficos, conseguiram derrubar governos que a Al-Qaeda se propõe a combater, há mais de duas décadas, apresentando uma alternativa às sociedades árabes e marginalizando, ainda mais, o grupo terrorista.Assim, além das áreas tribais no norte do Paquistão, a Al-Qaeda está presente apenas em regiões marginais do mundo árabe e islâmico por contatos, muitas vezes, superficiais como no nordeste do Yemen, na Somália e no sul da Argélia. Por conta das diversas alianças realizadas, a Al-Qaeda não conseguiu liderar uma única estratégia e seu principal objetivo de tornar-se um movimento insurgente, caracterizado, sobretudo, pelo grande apoio da comunidade, acabou, portanto, por falhar.Prova disso foram os desentendimentos entre Bin Laden e Al-Zarqawi, que liderou o braço da Al-Qaeda iraquiano, quanto às formas de agir no país. A CIA interceptou cartas entre eles que mostravam discordância de Bin Laden com a crescente onda de atentados no Iraque uma vez que isto impossibilitaria a aproximação da Al-Qaeda da sociedade iraquiana. a Al-Qaeda já enfrentava, portanto, um momento de crise e de possível mudança estratégica, anterior à morte de seu líder.A “guerra contra o terror” não possui um inimigo homogêneo representado na figura de Bin Laden como quer fazer-nos acreditar os EUA. Existem diversos grupos que, por compartilharem alguns interesses comuns, estabeleceram alianças estratégicas. Como muitos já alertaram, não é possível carimbar como terror islâmico tudo aquilo que contesta a ocupação militar dos EUA naquela região. Quem será o próximo monstro a ser executado em nome da humanidade?Fonte: Carta Maior

Reginaldo Nasser, professor do curso Países Árabes: Conjuntura Atual e Perspectivas, analisa o episódio da morte de Bin Laden e afirma: "a 'guerra contra o terror' não possui um inimigo homogêneo representado na figura de Bin Laden como quer fazer-nos acreditar os EUA". Leia o artigo e assista uma entrevista e aulas sobre o assunto.

Sex, 06/05/2011 - 08:45

 

A desaparição de Bin Laden lança uma luz sombria sobre o Paquistão. Durante meses, o presidente Alí Zardari nos disse que Osama vivia em uma caverna no Afeganistão. E agora descobrimos que ele vivia em uma mansão no Paquistão. Foi traído? Claro que sim. Pelos militares ou pelos serviços de inteligência do Paquistão? É muito provável que pelos dois. O Paquistão sabia onde estava. Há uma pergunta muito óbvia sem resposta: as forças de segurança do Paquistão não poderiam ter capturado Bin Laden? O artigo é de Robert Fisk.Robert Fisk - La JornadaUm dom nada de meia idade, um fracassado político, rebaixado pela história – pelos milhões de árabes que exigem liberdade e democracia no Oriente Médio -, morreu no Paquistão neste domingo. E o mundo enlouqueceu. Nem bem havia nos apresentado uma cópia de sua certidão de nascimento, o presidente estadunidense apareceu no meio da noite para nos oferecer ao vivo um atestado da morte de Osama Bin Laden, abatido em uma cidade batizada em homenagem a um major do exército do velho império britânico. Um só tiro na cabeça, nos dizem. Mas e o vôo secreto do corpo até o Afeganistão e o igualmente secreto sepultamento no mar?A estranha forma pela qual se livraram do corpo – nada de santuários, por favor – foi quase tão grotesca como o homem e sua perversa organização.Os estadunidenses estavam embriagados de alegria. David Cameron chamou-o de um enorme passo adiante. A Índia falou em feito vitorioso. Um triunfo retumbante, alardeou o primeiro ministro israelense Netanyahu. Mas, após 3 mil estadunidenses assassinados no 11 de setembro, incontáveis outros no Oriente Médio, cerca de meio milhão de vítimas mortais no Iraque e no Afeganistão e 10 anos empenhados na busca de Bin Laden, oremos para que não tenhamos mais triunfos retumbantes.Ataques em represália? Talvez ocorram, de pequenos grupos no Ocidente que não têm contato direto com a Al Qaeda. Ninguém duvide que alguém já esteja sonhando com uma brigada do mártir Osama Bin Laden. Talvez no Afeganistão, entre os talibãs. Mas as revoluções de massas dos últimos quatro meses no mundo árabe significam que a Al Qaeda já estava politicamente morta. Bin Laden disse ao mundo – e, de fato, me disse pessoalmente – que queria destruir os regimes pró-ocidentais no mundo árabe, as ditaduras dos Mubaraks e dos Ben Alis. Queria criar um novo califado islâmico. Mas nestes últimos meses, milhões de árabes muçulmanos se levantaram, dispostos ao martírio, mas não pelo Islã e sim por democracia e liberdade. Bin Laden não derrubou os tiranos: foi o povo. E o povo não quer um califa.Reuni-me três vezes com o homem e só me restou uma pergunta por fazer: o que pensava ao observar como se desenvolviam as revoluções este ano, sob as bandeiras de nações, mais que do islã, cristãos e muçulmanos juntos, pessoas que seus homens da Al Qaeda gostam de arrebentar?Aos seus olhos, seu êxito foi criar a Al Qaeda, instituição que não tinha carteira de membro. Bastava levantar uma manhã querendo ser da Al Qaeda e já o era. Ele foi o fundador, mas nunca um guerreiro em batalha. Não havia um computador em sua caverna, nem fazia chamadas para que detonassem bombas. Enquanto os ditadores árabes governavam sem que ninguém os enfrentasse, com apoio ocidental, evitavam até onde fosse possível criticar a política de Washington; só Bin Laden o fazia. Os árabes nunca quiseram explodir aviões de altos edifícios, mas admiravam o homem que dizia o que eles queriam dizer. Mas agora, cada vez mais, podem dizê-lo. Não precisam de Bin Laden. Ele se tornou um dom nada.Falando de cavernas, a desaparição de Bin Laden lança uma luz sombria sobre o Paquistão. Durante meses, o presidente Alí Zardari nos disse que Osama vivia em uma caverna no Afeganistão. E agora descobrimos que ele vivia em uma mansão no Paquistão. Foi traído? Claro que sim. Pelos militares ou pelos serviços de inteligência do Paquistão? É muito provável que pelos dois. O Paquistão sabia onde estava.Abbottabad não é só o lugar que abriga o colégio militar desse país – a cidade foi fundada pelo major James Abbott, do exército britânico, em 1853 -, como também é o quartel da segunda divisão do corpo do exército do norte. Há apenas um ano, fui atrás de uma entrevista com um dos criminosos mais procurados, o líder do grupo responsável pelos massacres de Bombaim. Encontrei-o na cidade paquistanesa de Lahore, protegido por policiais paquistaneses armados com metralhadoras.Desde logo, há uma pergunta muito óbvia sem resposta: as forças de segurança do Paquistão não poderiam ter capturado Bin Laden? Por acaso a CIA e os Seals da Marinha dos EUA, ou as forças especiais, ou qualquer que seja a força estadunidense que o tenha morto não tinha os meios para lançar uma rede no tigre. Justiça: foi assim que Barack Obama definiu essa morte. Nos velhos tempos, Justiça significada devido processo legal, um tribunal, uma audiência, um defensor, um julgamento. Como os filhos de Saddam Hussein, Bin Laden foi morto a tiros. Claro, ele jamais quis que o pegassem vivo...e havia sangue em abundância na casa onde morreu.Mas um tribunal teria preocupado muito mais a outras pessoas do que a Bin Laden. Afinal, depois de tudo o que aconteceu, poderia ter falado de seus contatos com a CIA durante a ocupação soviética do Afeganistão, ou de suas acolhedoras reuniões em Islamabad com o príncipe Turki, chefe da Inteligência da Arábia Saudita. Assim como Saddam Hussein – que foi julgado pelo assassinato de apenas 153 pessoas e não pelos milhares de kurdos vítimas de bombas químicas – foi enforcado antes que tivesse a oportunidade de nos contar sobre os componentes do gás fornecidos pelos EUA, sobre sua amizade com Donald Rumsfeld ou sobre a ajuda militar que recebeu de Washington quando invadiu o Irã, em 1980.É estranho que Bin Laden não tenha sido o criminoso mais procurado pelos crimes internacionais de lesa humanidade do 11 de setembro de 2001. Ele ganhou seu status do velho oeste por ataques anteriores da Al Qaeda a embaixadas dos EUA na África e ao quartel do exército desse país, em Durban. Sempre estava à espera dos mísseis de cruzeiro...e eu também quando me reuni com ele. Ele esperava a morte antes, nas cavernas de Tora Bora, em 2001, quando seus guarda costas não o deixaram resistir e o obrigaram a cruzar as montanhas a pé até o Paquistão. Seguramente passou algum tempo em Karachi. Estava obcecado com essa cidade: até me deu fotografias de grafites apoiando a sua causa nos muros da antiga capital paquistanesa, e elogiava os imãs locais.Suas relações com outros muçulmanos eram um mistério. Quando me reuni com ele no Afeganistão, no início ele tinha medo do talibã e não deixou que eu deixasse seu acampamento e fosse para Jalalabad à noite. E me entregou a seus guardas mais próximos da Al Qaeda para que me protegessem na viagem no dia seguinte. Seus seguidores odiavam os muçulmanos xiitas, considerando-os hereges. Para eles todos eram ditadores e infiéis, ainda que Bin Laden estivesse disposto a cooperar com os ex-baazistas iraquianos (aliados de Saddam Hussein) contra os ocupantes estadunidenses, o que afirmou em uma gravação de áudio a qual a CIA, tipicamente, não deu importância. Nunca elogiou o Hamas e dificilmente seria digno da definição de “guerreiro sagrado” que esse grupo dedicou a ela, o que foi parar, como de hábito, diretamente nas mãos israelenses.Nos anos posteriores a 2001, tive uma débil comunicação indireta com Bin Laden. Certa vez, reuni-me com um dos sócios no qual confiava na Al Qaeda, em uma localidade secreta do Paquistão. Escrevi uma lista de 12 perguntas, a primeira das quais era óbvia: que tipo de vitória a Al Qaeda pode proclamar, uma vez que suas ações conduziram à ocupação de nações muçulmanas por Washington? Durante semanas não houve resposta. De repente, em um fim de semana, quando esperava para dar uma conferência em San Louis, Missouri, nos EUA, me disseram que a Al Jazeera acabava de difundir uma nova gravação de Bin Laden. E ele respondeu – sem fazer menção a minha lista – uma a uma minhas 12 perguntas. Ele queria que os estadunidenses fossem ao mundo muçulmano...para poder destruí-los.Quando Daniel Pearl, jornalista do Wall Street Journal, foi sequestrado, escrevi um longo artigo no The Independent, no qual suplicava a Bin Laden para que salvasse a sua vida. Pearl e sua esposa cuidaram de mim quando fui golpeado na fronteira afegã, em 2001; ele inclusive me deu o conteúdo de seu livro de contatos. Muito tempo depois me disseram que Bin Laden tinha lido meu artigo com tristeza. Mas Pearl já havia sido assassinado. Ou pelo menos foi isso que ele teria dito. As obsessões de Bin Laden infestaram a sua família. Uma esposa deixou-o, outras duas parecem ter morrido com ele no ataque estadunidense do domingo. Conheci um de seus filhos, Omar, no Afeganistão, em 1994; estava com seu pai. Era um menino simpático e perguntei se ele era feliz. Sim, me respondeu ele em inglês. Mas no ano passado ele publicou um livro chamado “Living Bin Laden”, no qual, ao descrever como seu pai matou os cães que ele amava em um experimento de guerra química, chamou-o de homem malvado. Neste livro, também recordou nosso encontro e concluiu que devia ter respondido que não era uma criança feliz.Ao meio dia desta segunda-feira eu já tinha recebido três chamadas telefônicas de árabes, todos seguros de que os estadunidenses mataram um dublê de Bin Laden, do mesmo modo que muitos iraquianos acreditam que os filhos de Saddam Hussein não morreram em 2003 e que o próprio Saddam tampouco foi enforcado. No seu devido tempo, a Al Qaeda nos dirá. Certamente, se todos estamos equivocados e era um dublê, veremos mais um vídeo do verdadeiro Bin Laden...e o presidente Obama perderá a próxima eleição.Tradução: Katarina Peixoto

A desaparição de Bin Laden lança uma luz sombria sobre o Paquistão. Foi traído? Claro que sim. Há uma pergunta muito óbvia sem resposta: as forças de segurança do Paquistão não poderiam tê-lo capturado? 

Sex, 06/05/2011 - 08:22

 

O mundo do petróleo raramente está longe quando se trata de assuntos que envolvem o Oriente Médio e o norte da África. Esse mundo oferece um guia útil para entender as reações ocidentais diante dos levantes populares no mundo árabe. Argumenta-se que o petróleo não pode ser considerado um motivo para a intervenção na Líbia porque o Ocidente já tem acesso ao mesmo sob o regime de Kadafi. Isso é certo, mas irrelevante. Afinal, o mesmo poderia ser dito sobre o Iraque sob o regime de Saddam Hussein. O artigo é de Noam Chomsky.Noam Chomsky - La JornadaNo mês passado, no tribunal internacional sobre crimes durante a guerra civil em Serra Leoa, o julgamento do ex-presidente liberiano Charles Taylor chegou ao fim. O promotor geral, o professor de Direito estadunidense David Crane, informou ao jornal The Times, de Londres, que o caso estava incompleto: os promotores queriam processar Muammar Kadafi, que, disse Crane, era, em última instância, o responsável pela mutilação e/ou assassinato de 1,2 milhões de pessoas.Mas isso não aconteceria, esclareceu. Os Estados Unidos, o Reino Unido e outros países interviram para bloquear essa decisão. Ao ser perguntado sobre o porquê disso, respondeu: Bem vindo ao mundo do petróleo!Outra vítima recente de Kadafi foi sir Howard Davies, diretor da Escola de Economia de Londres, que renunciou depois de revelações sobre os laços da escola com o ditador líbio.Em Cambridge, Massachusetts, o Monitor Group, uma empresa de consultoria fundada por professores de Harvard, foi bem paga por serviços tais como um livro para levar as palavras imortais de Kadafi ao público em conversão com famosos especialistas internacionais, junto com outros esforços para melhorar a imagem internacional da Líbia (de Kadafi).O mundo do petróleo raramente está longe quando se trata de assuntos que envolvem esta região.Por exemplo, quando as dimensões da derrota estadunidense no Iraque já não podiam ser escondidas, a retórica bonita foi substituída pelo anúncio honesto de objetivos políticos. Em novembro de 2007, a Casa Branca emitiu uma declaração de princípios que insistia em que o Iraque deve conceder acesso e privilégio indefinidos aos invasores estadunidenses.Dois meses depois, o presidente George W. Bush informou ao Congresso que rechaçaria a legislação que limitasse o emprego permanente das forças armadas estadunidenses no Iraque ou o controle dos EUA dos recursos petroleiros do Iraque; demandas que os Estados Unidos teriam que abandonar um pouco depois diante da resistência iraquiana.O mundo do petróleo oferece um guia útil para entender as reações ocidentais diante dos notáveis levantes pró-democráticos no mundo árabe. O ditador rico em petróleo, que é um cliente confiável, é tratado com rédea solta. Houve pouca reação quando a Arábia Saudita declarou no dia 5 de março: as leis e regulamentos no reino proíbem totalmente qualquer tipo de manifestações, marchas e atos, assim como a sua convocação, já que vão contra os princípios da Shariah, os costumes e as tradições sauditas. O reino mobilizou enormes forças de segurança que aplicaram rigorosamente a proibição.No Kuwait, pequenas manifestações foram sufocadas. O punho de ferro golpeou a população no Bahrein, depois que forças militares encabeçadas pela Arábia Saudita interviram para garantir que a monarquia sunita minoritária não fosse ameaçada pelas reivindicações de reformas democráticas.O Bahrein é sensível não só porque abriga a Quinta Frota dos Estados Unidos, mas também porque faz fronteira com áreas xiitas da Arábia Saudita, local de maior parte das reservas do reino. Os recursos energéticos primários do mundo se localizam perto do norte do Golfo Pérsico (ou Golfo Arábico, como costuma ser chamado pelos árabes), uma área em grande medida xiita, um potencial pesadelo para os planejadores ocidentais.No Egito e na Tunísia, o levante popular conseguiu vitórias impressionantes, mas, como informou a Fundação Carnegie, os regimes permanecem e aparentemente estão decididos a frear o ímpeto pró-democracia gerado até agora. Uma mudança nas elites governantes e no sistema de governo segue sendo um objetivo distante, e que o Ocidente buscará mantê-lo assim.A Líbia é um caso diferente, um Estado rico em petróleo dirigido por um ditador brutal que, não obstante, é pouco confiável: seria melhor ter um cliente digno de confiança. Quando iniciaram os protestos não violentos, Muammar Kadafi atuou rapidamente para sufocá-las.No dia 22 de março, enquanto as forças de Kadafi convergiam para a capital rebelde de Bengasi, o principal assessor do presidente Barack Obama sobre Oriente Médio, Dennis Ross, advertiu que se ocorresse um massacre, todos culpariam os EUA por isso, uma consequência inaceitável.E o Ocidente certamente não queria que o coronel Kadafi aumentasse seu poder e independência, sufocando a rebelião. Os EUA trabalharam então pela autorização do Conselho de Segurança das Nações Unidas de uma zona de exclusão aérea, que seria posta em prática por França, Inglaterra e os próprios EUA.A intervenção evitou um provável massacre, mas foi interpretada pela coalizão como a autorização para o apoio direto aos rebeldes. Um cessar-fogo foi imposto às forças de Kadafi, mas se ajudou os rebeldes a avançar para o oeste. Em pouco tempo conquistaram as principais fontes da produção petroleira da Líbia, ao menos temporariamente.No dia 28 de março, o jornal em língua árabe sediado em Londres Al-Quds Al-Arabi advertiu que a intervenção deixaria a Líbia com dois estados, um leste rico em petróleo e em mãos dos rebeldes e um oeste encabeçado por Kadafi e mergulhado na pobreza. Com o controle dos poços petrolíferos assegurados, poderíamos estar diante de um novo emirado petroleiro líbio, escassamente habitado, protegido pelo Ocidente e muito similar aos estados emirados do golfo. Ou a rebelião respaldada pelo Ocidente poderia seguir adiante até eliminar o irritante ditador.Argumenta-se que o petróleo não pode ser um motivo para a intervenção porque o Ocidente já tem acesso ao mesmo sob o regime de Kadafi. Isso é certo, mas irrelevante. O mesmo poderia ser dito sobre o Iraque sob o regime de Saddam Hussein, ou sobre Irã e Cuba atualmente.O que o Ocidente busca é o que Bush anunciou: o controle, ou ao menos clientes dignos de confiança e, no caso da Líbia, o acesso a enormes áreas inexploradas que se espera sejam ricas em petróleo. Documentos internos britânicos e estadunidenses insistem que o vírus do nacionalismo é o maior temor, já que poderia engendrar desobediência.A intervenção está sendo realizada pelas três potências imperiais tradicionais (poderíamos lembrar – os líbios presumivelmente o fazem – que, depois da Primeira Guerra Mundial, a Itália foi responsável por um genocídio no leste da Líbia).As potências ocidentais estão atuando em virtual isolamento. Os estados na região – Turquia e Egito – não querem participar, tampouco a África. Os ditadores do golfo se sentiriam felizes de ver Kadafi partir, mas, ainda empanturrados pelas armas avançadas que recebem para reciclar os petrodólares e assegurar a obediência, oferecem apenas uma participação simbólica. O mesmo se aplica em outros lugares: Índia, Brasil e, inclusive, Alemanha.A primavera árabe tem raízes profundas. A região está em fermentação há muitos anos. A primeira da atual onda de protestos começou no ano passado no Saara Ocidental, a última colônia africana, invadido pelo Marrocos em 1975 e retido ilegalmente desde então, de maneira similar ao Timor Oriental e aos territórios ocupados por Israel.Um protesto não violento em novembro passado foi sufocado por forças marroquinas. A França interveio para bloquear uma investigação do Conselho de Segurança sobre os crimes de seu cliente. Logo acendeu-se uma chama na Tunísia que, desde então, espalhou-se e tornou-se uma conflagração.Tradução: Katarina Peixoto

O mundo do petróleo raramente está longe quando se trata de assuntos que envolvem o Oriente Médio e o norte da África. Esse mundo oferece um guia útil para entender as reações ocidentais diante dos levantes populares no mundo árabe. 

Qua, 20/04/2011 - 07:41

Como parte do pensamento orientalista, a mulher árabe foi representada como um ser inferior e exótico; portanto, há mitos a serem desfeitos.

Ter, 12/04/2011 - 19:11

 

O papel das mulheres no grande levante do Oriente Médio tem sido muito pouco analisado. As mulheres do Egito não só “se somam” aos protestos, mas tem sido uma força destacada da evolução cultural que as tornou indispensáveis. E o que vale para o caso do Egito, pode se dizer também, em maior ou menor medida, para todo o mundo árabe. Quando as mulheres mudam, tudo muda; e as mulheres do mundo muçulmano estão mudando radicalmente. O artigo é de Naomi Wolf.Naomi Wolf - Al JazeeraEntre os estereótipos dos países muçulmanos mais habituais no Ocidente encontram-se os relativos às mulheres muçulmanas: crédulas, cobertas com véus, submissas, exóticas e caladas, integrantes de haréns imaginários e encerradas em papéis de gênero muito rígidos. E então, onde estavam essas mulheres na Tunísia e no Egito.Em ambos os países as manifestantes não se pareciam absolutamente com esse estereótipo ocidental: estava na primeira linha da luta e no centro, nas imagens das notícias e nos fóruns do Facebook, inclusive assumindo a liderança. Na praça Tahrir, no Egito, mulheres acompanhadas, algumas acompanhadas de crianças, trabalhavam sem descanso para apoiar os protestos, contribuindo em atividades de segurança, comunicações ou abrigo. Muitos comentaristas atribuíam o grande número de mulheres e crianças ao caráter pacífico dos manifestantes em geral diante de graves provocações.Outros repórteres-cidadãos da Praça Tahrir – e praticamente qualquer um que tivesse um telefonema celular poderia sê-lo – assinalavam que as massas de mulheres implicadas nos protestos eram muito diversas do ponto de vista demográfico. Muitas levavam lenços na cabeça e outros sinais de conservadorismo religioso, enquanto outras se deleitavam com a liberdade de beijar um amigo ou fumar um cigarro em público.Participantes, líderesMas as mulheres não só atuavam como trabalhadoras de apoio, o papel habitual a que ficam relegadas nos movimentos de protesto, desde os da década de 1960 até os recentes distúrbios estudantis no Reino Unido. As mulheres egípcias também organizavam, formulavam estratégias e informavam dos acontecimentos. Autoras de blogs como Leil Zahra Mortada assumiram graves riscos para manter o mundo informado diariamente sobre a situação na praça Tahrir e outros lugares.O papel das mulheres no grande levante do Oriente Médio tem sido muito pouco analisado. As mulheres do Egito não só “se somam” aos protestos, mas tem sido uma força destacada da evolução cultural que as tornou indispensáveis. E o que vale para o caso do Egito, pode se dizer também, em maior ou menor medida, para todo o mundo árabe. Quando as mulheres mudam, tudo muda; e as mulheres do mundo muçulmano estão mudando radicalmente.A transformação mais importante é educativa. Há duas gerações, somente uma reduzida minoria das filhas da elite recebia formação universitária. Hoje, as mulheres representam mais da metade do número de estudantes nas universidades egípcias. Elas estão se formando para exercer o poder de um modo que suas avós mal poderia imaginar: publicar jornais, como fez Sanaa el Seif desafiando um decreto governamental que exigia a interrupção da atividade; aspirando postos de liderança estudantil; arrecadando fundos para organizações de estudantes ou dirigindo reuniões.De fato, uma minoria substancial de mulheres jovens do Egito e de outros países árabes passaram seus anos de formação refletindo criticamente em contextos mistos e questionando em público inclusive a professores homens nas aulas. É muito mais fácil tiranizar uma população quando a metade tem uma péssima educação e é trinada para a submissão. Mas, como os ocidentais deveriam saber por sua própria experiência histórica, quando se educa as mulheres é provável que agitação democrática acompanhe a transformação cultural generalizada que se produz.A natureza dos meios de comunicação social também contribuiu para converter as mulheres em líderes do protesto. Por ter me dedicado durante mais de uma década a ensinar técnicas de liderança para mulheres, sei o quanto difícil é conseguir que se coloquem em pé e tomem a palavra em uma estrutura organizativa hierárquica. Deste modo, as mulheres costumam evitar a figura padrão que, no passado, os protestos tradicionais impuseram a determinados ativistas: quase sempre, a de um jovem exaltado com um megafone na mão. Projeção de poderEm semelhantes contextos – um cenário, um foco e um porta-voz – as mulheres evitam os papéis de liderança. Mas os meios de comunicação social, pela própria natureza da tecnologia, modificaram o aspecto e a aparência da liderança atual. O Facebook imita o modo pelo qual muitas mulheres preferem viver a realidade social, onde as relações entre as pessoas são tão importantes quanto o predomínio ou o controle individual, se não mais.Pode-se ser um líder poderoso no Facebook justamente forjando uma “primeira pessoa do plural” realmente fabulosa. Ou pode-se conservar o mesmo tamanho, conceitualmente, que qualquer outra pessoa em sua página; não é necessário reafirmar o domínio ou a autoridade. A estrutura da interface do Facebook cria o que – em que pese 30 anos de pressão feminista – as instituições de cimento e tijolo não conseguiram gerar: um contexto no qual a capacidade das mulheres para forjar um “nós” poderoso e envolver-se na liderança a serviço dos demais possa promover a causa da liberdade e da justiça em todo o mundo.Logicamente, o Facebook não pode reduzir os riscos dos protestos. Mas, por mais violento que possa ser o futuro no Oriente Médio, o registro histórico do que ocorre quando as mulheres que receberam educação participam de movimentos libertadores faz pensar que chegou ao fim a era daqueles que gostariam de manter um regime de punho de ferro na região.Quando a França iniciou sua revolução em 1789, Mary Wollstonecraft, que foi testemunha inesperada dela, escreveu seu manifesto em favor da libertação das mulheres. Depois que as mulheres norte-americanas, que tinham recebido educação, contribuíram para a luta pela abolição da escravidão, elas introduziram na agenda o sufrágio feminino. Depois que disseram na década de 1960 que a “única posição para as mulheres é a horizontal”, criaram o feminismo de “segunda geração”: um movimento nascido das novas habilidades e das velhas frustrações das mulheres.Uma e outra vez, quando as mulheres travaram as demais batalhas de seu tempo pela liberdade, passaram a defender seus próprios direitos. E como o feminismo é uma prolongação lógica da democracia, os déspotas do Oriente Médio enfrentam uma situação na qual será quase impossível obrigar a estas mulheres que despertaram a deter a luta pela liberdade, a sua própria luta e a de suas comunidades.(*) Naomi Wolf é ativista política e crítica social; seu livro mais recente é “Give Me Liberty: A Handbook for American Revolutionaries”.Tradução: Katarina Peixoto

O papel das mulheres no grande levante do Oriente Médio tem sido muito pouco analisado. As mulheres do Egito não só “se somam” aos protestos, mas tem sido uma força destacada da evolução cultural que as tornou indispensáveis. E o que vale para o caso do Egito, pode se dizer também, em maior ou menor medida, para todo o mundo árabe. Quando as mulheres mudam, tudo muda; e as mulheres do mundo muçulmano estão mudando radicalmente. 

Qui, 24/03/2011 - 10:25

 

O Oriente Médio como um todo, segue em ebulição. A chamada grande imprensa ainda mantém seus correspondentes na região e a bola da vez agora é a Líbia já com 23 dias de protestos diários e parte do país controlada pelos rebeldes. Com a exceção da honrada Síria, cujo governo tem conduta firme contra o imperialismo norte-americano, as manifestações não poupam nenhum país árabe, como veremos neste novo artigo.Os destinos da revoluçãoNa próxima semana, comentaremos com maior vagar o que vem ocorrendo na Líbia em particular. Reunimos neste momento farta documentação sobre o processo histórico que lá vem se dando, desde o início da revolução liderada pelo coronel Muammar Kadafi em 1969, na esteira do nacionalismo árabe, até os dias atuais.Quero me deter em um panorama geral da situação no mundo árabe. Não por acaso os analistas e correspondentes internacionais vem dizendo que as coisas vão mudar profundamente de figura quando as manifestações e a revolução atingir a Casa de Saud, da monarquia saudita que governa esse país que tem o nome da família, há mais de 200 anos. Todos os quase dois mil príncipes dessa monarquia absolutista, reacionária e pró-americana, devem dormir todos os dias em verdadeiro pânico.Quero aqui comentar e reforçar a minha convicção de que esta em curso uma revolução no mundo árabe. Um processo revolucionário, ainda que não concluído. O caráter, o conteúdo desse processo revolucionário em curso ainda está em disputa. Disputa essa que se trava com ninguém menos que a maior potência econômica e militar do planeta, que são os Estados Unidos. As máquinas militar, diplomática, política e econômica dessa nação estão todas em movimento para fazer com que esse processo revolucionário não rompa as relações com os EUA, que poupe Israel e que o status quo na região seja integralmente mantido. Ou dito de outra forma, que os interesses estratégicos estadunidenses e israelenses sejam todos preservados, ainda que alguns dos aliados históricos dessa potência imperial possam e devam ser sacrificados (como estão sendo, um a um).Como diz Carlos Fonseca Terán, secretário adjunto de Relações Internacionais da FSLN, da Nicarágua, que as esquerdas tradicionais demoraram a entender que o que ocorria na Venezuela e na Bolívia eram processos revolucionários. Essa mesma esquerda demorou a saudar tais revoluções. Nós não podemos cometer o mesmo erro com relação à revolução árabe. Sei que o processo pode ser truncado em breve, a qualquer momento poderemos presenciar inclusive alguns retrocessos, mas, no geral, em perspectiva, há um claro processo revolucionário em curso, com mudanças substanciais com relação a uma situação anterior que se vivia.Insisto em dizer: não devemos nos iludir sobre quem é o inimigo maior com quem nossas baterias devem se voltar. É o império norte-americano, neste momento chefiado por Barak Obama, que cumpre direitinho e à risca as determinações desse império, cuja ação serve aos trustes internacionais e ao capital estadunidense. Obama sabe do efeito dominó. Ali naquela região poderá não ficar nada em pé em termos dos governos ditatoriais e monarquias absolutistas, todas, sem exceção, amigas de Washington. Pessoalmente, em médio prazo, vislumbro que venham a ser trocados todos ou praticamente todos os governos dos 22 países árabes. Ou sofrerão mudanças profundas. Onde eram ditaduras, devem florescer democracias árabes, ainda que jovens e com problemas, mas, enfim, democracias. Onde eram monarquias absolutistas, poderão vir a ser transformadas em constitucionais, nos moldes da inglesa e espanhola ou mesmo transformadas em repúblicas.Como tenho afirmado neste espaço, estou convencido que quaisquer que venham a ser os governos que emergirão tanto do Egito como na Tunísia em alguns meses ou em todos os países que hoje presenciam manifestações gigantes de rua, tais governos, sejam moderados ou revolucionários, nunca mais serão os mesmos e nunca mais poderão agir como agiam seus predecessores. Ou seja, perdem profundamente os Estados Unidos e Israel. Vislumbro o surgimento de um novo Oriente Médio, mais progressista, mais democrático, mais popular e quiçá mais revolucionário e até socialista.Aqui vale registrar que vários autores que tenho lido, têm feito comparações dessa revolução árabe com a revolução de 1848, ocorrida em várias localidades da Europa. Como registra Antônio Luiz Costa (Carta Capital de 9 de março de 2011, página 41), as semelhanças mais marcantes são o forte entusiasmo que as massas vêm demonstrando por autonomia e autodeterminação de seus povos, certa liderança mais difusa (nunca muito visível), também objetivos não muito claros em termos estratégicos e uma ansiedade geral das diversas tendências ideológicas de interpretar e mesmo cooptar tais movimentos. De fato, são fortes semelhanças. Nunca devemos esquecer que nesse revolucionário ano de 1848, no dia 21 de fevereiro, saiu nas livrarias londrinas um Manifesto que procurava tornar claro a opinião dos comunistas sobre aquele momento político que vivia a Europa. Escrito por dois jovens comunistas que sequer haviam completado 30 anos, Marx e Engels, tal documento veio a influenciar profundamente a vida da humanidade até os dias atuais. Não vejo perspectivas de que naquela região toda, com esse grau atual de ebulição social, de ruptura com velhos e carcomidos modelos, possamos presenciar transições completamente controladas e consentidas. Imagino mudanças reais e profundas em toda a região.Análise e observações gerais do processoA economia – Uma das explicações das insatisfações das massas árabes está, seguramente, na política econômica adotada nos últimos trinta anos em toda a região do OM. Praticamente sem nenhuma exceção – ou à exceção de Iraque e Síria – todos os países adotaram o modelo econômico neoliberal. Privatizaram quase tudo, liberalizaram o fluxo de capitais e deixaram o câmbio flutuar livremente. Isso afetou profundamente as economias que, só não foram à bancarrota porque as receitas da conta do petróleo sustentou certo crescimento e desenvolvimento social, ainda que tenha concentrado renda.Com a revolução em curso, esse modelo sofrerá profundo abalo. Os novos governos que emergirão na região não poderão seguir aplicando a mesma cartilha do FMI, Banco Mundial e outros órgãos à serviço do império norte-americano. A religião – Em momento algum, desde dezembro na Tunísia, passando por fevereiro no Egito e agora em março na Líbia, o Islã foi alternativa ao processo revolucionário em curso. Ainda assim, a mídia insiste em mostrar um conflito completamente permeado pela religião. Fala-se em controle pelos fundamentalistas, na instituição de estados teocráticos. Mas isso nunca esteve na ordem do dia. Nem os partidos mais profundamente religiosos, como a Irmandade Muçulmana no Egito, nunca pregou a edificação de um estado teocrático nos moldes do Irã, da Arábia Saudita ou de Israel (sim leitor, você não leu errado: Israel é um estado teocrático, judaico e discriminador, sem constituição).Todas as propostas emanadas de todos os partidos, frentes partidárias, coligações, alianças que têm vindo à tona nunca sequer mencionaram, em momento algum, que a alternativa deveria ser o estado islâmico. Muito ao contrário. O secularismo segue forte no Egito, na Síria e no Iraque, que também sofre abalos com as manifestações de massa. Não se viu cartaz em apoio à Osama Bin Laden em lugar algum, em praça nenhuma do OM.Mitos que caíram – Uma revolução sempre coloca por terra muitos mitos, muitas mentiras que, contadas ao longo do tempo, eram vistas como verdadeiras. Duas delas, bem recentes, caíram por terra nesse processo ainda em curso no OM árabe. O primeiro deles é de que a Internet teria jogado um papel central. Alguns chegaram a chamar – na ânsia de dar um nome àquela revolução – de Revolução Facebook, pelo simples fato que algumas pessoas criaram comunidades de protestos e convocaram manifestação por essa rede social. Também aqui não se viu cartaz algum em apoio à Mark Zuckerberg.Aqui os números falam por si só. Apenas 20% da população do Egito possui acesso á rede de Internet por banda larga e no máximo 50% possui celulares. E ainda assim, tanto a rede de banda larga como de telefonia móvel foram completamente desligadas no Egito todo por vários dias antes das grandes manifestações, em uma das atitudes desesperadas tomadas por Mubarak antes de sua renúncia em 11 de fevereiro.A outra é que a revolução foi espontânea, sem líderes. É bem verdade que poucos foram os nomes mais expressivos e conhecidos que vieram à tona no processo, em especial no Egito. Alguns, inclusive, ex-colaboradores do antigo regime como Mohammed El Baradei e Amr Moussa. Mas, tais nomes tinham mais conhecimento no exterior e nos meios acadêmicos e diplomáticos do que do povo egípcio.No entanto, o que se presenciou foi uma aliança, ainda que não previamente estabelecida, de todos os setores sociais da sociedade egípcia e tunisiana (e isso vale para todos os outros países árabes que presenciam manifestações de rua), em especial da esquerda, dos patriotas, dos seculares, dos muçulmanos progressistas, dos socialistas e comunistas em geral, que jogaram papel decisivo nesse processo. Foi uma aliança de entidade sindicais proletárias, de sindicalistas profissionais liberais oriundos da classe média – em especial médicos, advogados e engenheiros – entidades de jovens e de estudantes com os diversos partidos políticos e frentes partidárias pré-existentes ou formadas no processo.O tempo da revolução – Como disse certa vez, quando perguntaram para Chu En Lai em 1970, líder da revolução chinesa, sobre o que ele achava da revolução francesa de 1789 e ele respondeu, para espanto do entrevistador, que ainda era cedo para avaliarmos. Pois da mesma forma é o que ocorre no OM árabe. É muito prematuro fazermos afirmações sobre os rumos do processo, suas consequências. No entanto, como já disse Marx quando analisou o processo revolucionário da Comuna de Paris em 1871 – que este ano comemoramos 140 anos em julho! – que o grande erro dos comunardos teria sido o fato de que eles não marcharam sobre o Palácio de Versalhes. Da mesma forma posso dizer isso. É preciso ficar atento ao processo de ocupação de tomada do poder político pelas forças comprometidas em transformações profundas na região e não em simples transições controladas e consentidas.Da mesma forma que pode parecer cedo afirmarmos que o nacionalismo árabe, chamado de pan-arabismo, estaria de volta e com força. Mas, os indícios são fortes nesse sentido, tanto pelos discursos das lideranças, como pelas plataformas que têm vindo à público das frentes e alianças partidárias que vêm sendo constituídas. Emanam quase que como consenso em todos os programas e propostas a questão da soberania nacional, a independências dos países, a não ingerência das potências estrangeiras – leia-se EUA e Israel – e a integridade territorial dos países. A questão das amplas liberdades, da democracia, da constituinte, da anistia irrestrita são bandeiras que aparecem em todos os países. Nas monarquias aparece a luta pela instituição de repúblicas democráticas, quiçá populares. Cartazes de Nasser tem sido ostentados amplamente.Quem ganha e quem perdeMesmo que ainda seja cedo para fazermos afirmações peremptórias de quem sairá ganhador e perdedor do processo revolucionário em curso, alguns atores e agentes já podem ser identificados. Com base em diversos autores que tenho lido, podemos concluir, preliminarmente, sobre isso.Os grandes perdedores – Poderíamos listar muitos, mas vamos aos essenciais:EUA – Não consegui achar um autor, por mais direitista que seja, que tenha concluído que os EUA sejam os grandes vencedores. Foram derrotados na sua tosca e obscura tentativa de “levar” a democracia para o Oriente Médio. De fora para dentro, desde a era Bush em 2001. Como diz Andrew Bacevich, acadêmico da Universidade de Boston “durante anos os EUA forçaram uma porta (a democracia no OM) que só abre para fora. E mais, essa porta só abre por vontade própria; os acontecimentos das últimas semanas demonstraram com clareza que não apenas partes importantes do OM estão prontas para a mudança, mas também que esse impulso de mudança vem de dentro”. Estou plenamente de acordo com essa afirmação. As patéticas coletivas de imprensa dadas por Obama e pela Senhora Clinton, eram cenas cômicas que poderíamos resumir como que se eles estivessem correndo atrás dos acontecimentos que, aliás, nunca conseguiram prever, apesar de terem 27 agências ditas de inteligência e de segurança interna.Nesse caso, mesmo que se instalem governos moderados, de transição controlada e consentida em toda a região, esses governos nunca poderão ser descaradamente pró-EUA como foram os governos de Mubarak e Ben Ali no Egito e Tunísia. Israel – Não vejo maior perdedor, depois dos EUA, do que Israel. Também aqui, em todas as leituras feitas, pesquisas acadêmicas, não se encontra autor que diz que esse processo favorece Israel. Ao contrário. A tônica é que vai se instalando em toda a região governos anti-Israel, antissionistas. Não dá para acreditar que o primeiro Ministro de Israel, Benjamin Netanyahú venha conseguindo dormir em paz. Nesse sentido, em médio prazo, a questão palestina tem que voltar ás mesas de negociações.Al Qaeda – Seu programa fundamentalista prega a revolução islâmica, pela forma violenta, atentados que matam indiscriminadamente – a que toda a esquerda árabe se coloca contrário – e um estado islâmico. Nada disso se verificou no processo em curso. Ninguém defende a violência indiscriminada e um estado teocrático. Sem dúvida, um dos grandes derrotados.Fundamentalismo – Considero derrotados todos os grupos que pregaram, em algum momento, a constituição de estados teocráticos como saída para a crise na região. Se é certo que cresceu a identidade muçulmana, cresceu também a identidade nacional, de ser árabe. Grupos que sempre defenderam a instalação de repúblicas islâmicas na região perderam espaços na sociedade e seu destino será seguramente o gueto, pois tais propostas não mais encontram eco nas massas árabes, sedentas de democracia.Neoliberalismo – Perde, como vem perdendo espaço e terreno em todo o mundo capitalista, o modelo de capitalismo financeiro e neoliberal. Ainda que seja cedo para afirmarmos que estão derrotados, no OM árabe sofreram abalo significativo. As economias sofrerão profundas mudanças. Entendo que essa crise geral que vive o OM é parte da crise do modelo capitalista em vigor e da decadência do próprio império norte-americano.Monarcas e ditadores – Esses são os grandes derrotados localmente falando. Monarcas absolutistas, quase feudais, regados aos petrodólares, são grandes perdedores. Devem ser ou substituídos por monarquias constitucionais ou mesmo seus países verão a queda de seus reinados, seus impérios, seus sultanatos e outras formas autocráticas de governos. Perdem também os ditadores travestidos de “presidentes” em repúblicas farsescas. Esses devem ser substituídos em curto prazo por governos de transição ou em médio prazo por governos constitucionais democráticos eleitos diretamente pelo povo, com novas constituições soberanas, eleitas em regime de ampla liberdade, com anistia aos presos e liberdades políticas e sindicais.Os que ganham – A advertência anterior vale para os ganhadores. Podemos listar aqui em primeira análise, que coincide com diversos analistas internacionais, os que, preliminarmente, ganham com esse processo revolucionário.Reformadores e reformistas – Como o processo revolucionário esta ainda em curso, não é certo que teremos mudanças de cunho revolucionário, de troca de classes no poder, de mudança de orientação de modelo econômico, para o socialismo, por exemplo. Isso não está claro ainda. Mas, podemos dizer que profundas reformas ocorrerão em toda a região. As coisas não ficarão mais como se encontram. Ainda que não venham a ser mudanças profundas, elas serão amplamente significativas para a região. Assim, as correntes mais reformistas já podem dizer-se, desde já, vitoriosas nesse processo. E tais mudanças, não serão como falava Lampedusa, no seu clássico romance O Leopardo, quando se dizia “que tudo tem que mudar para que fique como está”.Nacionalismo árabe – Ainda que não possamos afirmar com certeza que ele voltará a triunfar como da época de Gama Abdel Nasser, presidente do Egito (1954-1970), ele cresceu no processo. Colocou-se de forma aberta e clara para as massas. Seus partidos nacionalistas e seculares, na maioria clandestinos, puderam voltar a expor amplamente suas propostas para as massas árabes. Pode-se dizer igualmente que ganham as propostas chamadas pan-arabistas em geral.Esquerda árabe – Se em alguns países, como a Palestina e a Síria, os comunistas e socialistas já são respeitados e relativamente fortes, no restante do mundo árabe a esquerda em geral – patriotas, nacionalistas progressistas, socialistas e comunistas – podemos dizer que ela terá uma oportunidade histórica para expor de forma clara suas propostas, seu programa e fazer alianças inteligentes e amplas, que possam valer seus programas de transição rumo a uma sociedade mais justa, o socialismo.Irã – Difícil não concluir que o Irã foi um dos grandes vencedores no processo. Sai fortalecido. Massas xiitas em vários países o têm como referência, ainda que não defendam em seus países estados islâmicos. Difícil imaginar que haja algum clima para tanto os EUA como Israel de bombardearem esse país, tal como essa proposta esteve nas mesas de conversações na região. Enfrenta uma oposição pró-ocidental no país, mas tem conseguido amplo apoio das massas iranianas ao seu processo revolucionário de feições próprias de características islâmicas, a qual devemos respeitar.De um modo geral, essas são conclusões que chegamos neste momento histórico que vivemos na região e depois de dois meses de meio de amplas manifestações em todos os países da região, desde que em 15 de dezembro de 2010, o jovem de 26 anos Mohammed Boazizi, vendedor de frutas ambulante, mas com formação universitária, decidiu atear fogo ao seu corpo em frente ao palácio presidencial na cidade de Túnis. Muitas vezes a história tem os seus saltos a partir de episódios menores como esse, mas que surtem imensos efeitos.Semana que vem abordaremos o processo na Líbia.

O Oriente Médio como um todo segue em ebulição. A chamada grande imprensa ainda mantém seus correspondentes na região e a bola da vez agora é a Líbia, com 23 dias de protestos diários e parte do país controlada pelos rebeldes. Com a exceção da honrada Síria, cujo governo tem conduta firme contra o imperialismo norte-americano, as manifestações não poupam nenhum país árabe.

Qui, 17/03/2011 - 18:40

 

Não sou a favor de assassinato cometido por indivíduos ou por estados com fins políticos. Não sou a favor de assassinato nenhum, tanto é que assim considero a pena de morte. Por isto, não aprovo o assassinato cometido por desconhecido contra cinco sionistas e não aprovo todos os assassinatos cometidos por Israel contra árabes em geral e palestinos em particular, tanto em território palestino quanto em outros lugares.Sabemos qual o móvel israelense para tais agressões e, do lado palestino, um relatório das Nações Unidas concluiu, em fevereiro de 2008, que o terrorismo palestino é resultado inevitável da ocupação israelense e do colonialismo e condições de apartheid. Em artigo publicado no New York Times de 04/04/2009, o Professor George Bisharat vai além ao atribuir a estes fatos as razões pelas quais vários países não consideram violência contra uma ocupação militar estrangeira como terrorismo e, por isto, consideram o Hamas como um grupo de resistência. É Israel quem, em violação a Resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas e de Leis Internacionais, ilegalmente ocupa a Palestina e partes da Síria e do Líbano. Tenho apontado continuamente esta desobediência às Resoluções das Nações Unidas e às Convenções de Genebra e não sou o único e nem tampouco o é o Professor Bisharat a considerar Israel transgressor.Basta apontar como exemplo a Resolução 242 do Conselho de Segurança que apela para Israel terminar com tais ocupações para se constatar de um lado a unanimidade no reconhecimento de sua justiça e ser esta e as outras desobediências de Israel o motivo pelo qual 57 países, o que corresponde a um terço dos membros da ONU, não reconhecem o ocupante da Palestina e partes da Síria e do Líbano.Além disto, os assentamentos judeus em territórios árabes ocupados constituem uma violação flagrante à IV Convenção de Genebra que proíbe a qualquer potência ocupante a transferência de qualquer parte de sua população civil para territórios ocupados pela força.Também tenho apontado constantemente o fato de a Liga dos Estados Árabes há anos ter proposto um plano justo de paz e normalização das relações com Israel em troca da obediência deste às leis internacionais e da desocupação ilegal de terras árabes. Este plano está aberto à discussão e foi entregue pessoalmente pelo Secretário Geral da Liga dos Estados Árabes e pelo Ministro das Relações Exteriores do Egito em mãos do Ministro das Relações Exteriores de Israel. Lamentavelmente, a este respeito como a toda iniciativa séria de paz, Israel nem ao menos respondeu.Será que Israel quer continuar não dando a mínima importância à paz e continuar ocupando terras árabes roubadas e lá construindo assentamentos ilegais para, em provocando o mundo, querer provar que o crime compensa? Talvez também seja para que Benjamin Netanyahu não perca a chance de bancar a vítima e, segundo o The Guardian de hoje, domingo 13/03/2011, faça um apelo ao mundo por atuação e condenação internacional pela morte de cinco membros de uma família de assentados na Cisjordânia. Com toda seriedade e sinceridade, ou Netanyahu acha que os terráqueos são uns idiotas ou quer simplesmente desviar a atenção do fracasso que tem sido o seu governo e o seu país como um todo.Não é por menos que o Haaretz destaca na edição de domingo 13/02/2011: “Israel não pode mais fingir que não existe um conflito no Oriente Médio” e adita “A coordenação de segurança entre Israel e a Autoridade Palestina, que contribuiu muito para a relativa calma dos anos recentes, está agora em crise”.No artigo do Haaretz, Aluf Benn descreve muito bem o motivo da ocorrência quando escreve: “O assassinato da família Fogel trouxe um fim à calmaria que Israel apreciou durante os últimos dois anos. O terrorismo palestino golpeou novamente, no ponto mais sensível da Cisjordânia: a mãe de todos os mais isolados assentamentos, no alto sobre Nablus, com seus radicais habitantes infames por suas relações violentas com seus vizinhos palestinos. Nenhum lugar é mais emblemático em conflito e fricção nos territórios que Itamar”.Sabemos qual o problema entre Israel e Palestina, por si gerador de conflitos; o que não sabemos é qual o móvel do assassinato cometido por um palestino qualquer, se palestino foi o autor, contra uma determinada família. Com certeza se pode dizer que o ocorrido teve antecedentes e, na procura dos culpados, todos devem ser investigados.

Não sou a favor de assassinato cometido por indivíduos ou por estados com fins políticos. Não sou a favor de assassinato nenhum, tanto é que assim considero a pena de morte. Por isto, não aprovo o assassinato cometido por desconhecido contra cinco sionistas e não aprovo todos os assassinatos cometidos por Israel contra árabes em geral e palestinos em particular, tanto em território palestino quanto em outros lugares.

Qui, 17/03/2011 - 00:00

 

Celebrou-se esta semana o Dia Internacional da Mulher. Os dias ou anos internacionais não são, em geral, celebrações. São modos de assinalar que há pouco para celebrar e muito para denunciar e transformar. Não há natureza humana assexuada; há homens e mulheres. Falar de natureza humana sem falar na diferença sexual é ocultar que a "metade" das mulheres vale menos do que a dos homens. Sob formas que variam consoante o tempo e o lugar, as mulheres têm sido consideradas como seres cuja humanidade é problemática quando comparada com a dos homens. À dominação sexual que este preconceito gera chamamos patriarcado e ao senso comum que o alimenta e reproduz, cultura patriarcal.A persistência histórica desta cultura é tão forte que mesmo nas regiões do mundo em que ela foi oficialmente superada pela consagração constitucional da igualdade sexual, as práticas quotidianas continuam a reproduzir o preconceito e a desigualdade. Ser feminista significa reconhecer que tal discriminação existe e é injusta e desejar ativamente que ela seja eliminada.A cultura patriarcal vem de longe e atravessa tanto a cultura ocidental como as culturas africanas, indígenas e islâmicas. Para Aristóteles, a mulher é um homem mutilado e para São Tomás de Aquino, sendo o homem o elemento ativo da procriação, o nascimento de uma mulher é sinal da debilidade do procriador.Esta cultura, ancorada por vezes em textos sagrados (Bíblia e Corão), tem estado sempre ao serviço da economia política dominante que, nos tempos modernos, tem sido o capitalismo e o colonialismo. As Novas Cartas Portuguesas, publicadas em 1972 por Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, denunciavam o patriarcado como parte da estrutura fascista que sustentava a guerra colonial. "Angola é nossa" era o correlato de "as mulheres são nossas (de nós, homens)" e no sexo delas se defendia a honra deles. O livro foi imediatamente apreendido porque justamente percebido como um libelo contra a guerra colonial e as autoras só não foram julgadas porque entretanto ocorreu o 25 de Abril, a revolução que tantos hoje desejam nunca tivesse acontecido.A violência que a opressão sexual implica ocorre sob duas formas, hardcore e softcore. A versão hardcore é o catálogo da vergonha e do horror do mundo. Em Portugal, morreram 43 mulheres em 2010, vítimas de violência doméstica. Na Cidade Juarez (México) foram assassinadas nos últimos anos 427 mulheres, todas jovens e pobres, trabalhadoras nas fábricas do capitalismo selvagem, as maquiladoras, um crime organizado hoje conhecido por femicídio. Em vários países de África continua a praticar-se a mutilação genital. Na Arábia Saudita, até há pouco, as mulheres nem sequer tinham certificado de nascimento. No Irão, a vida de uma mulher vale metade da do homem num acidente de viação; em tribunal, o testemunho de um homem vale tanto quanto o de duas mulheres; a mulher pode ser apedrejada até à morte em caso de adultério, prática, aliás, proibida na maioria dos países de cultura islâmica.A versão softcore é insidiosa e silenciosa e ocorre no seio das famílias, instituições e comunidades, não porque as mulheres sejam inferiores mas, pelo contrário, porque são consideradas superiores no seu espírito de abnegação e na sua disponibilidade para ajudar em tempos difíceis. Porque é uma disposição natural não há sequer que lhes perguntar se aceitam os encargos ou sob que condições. Os cortes nas despesas sociais do Estado atualmente em curso vitimizam em particular as mulheres. As mulheres são as principais provedoras do cuidado a dependentes (crianças, velhos, doentes, pessoas com deficiência). Se os doentes mentais são devolvidos às famílias, o cuidado fica a cargo das mulheres. A impossibilidade de conciliar o trabalho remunerado com o trabalho doméstico faz com que Portugal tenha um dos valores mais baixos de fecundidade do mundo. Cuidar dos vivos torna-se incompatível com desejar mais vivos.

Celebrou-se esta semana o Dia Internacional da Mulher. Os dias ou anos internacionais não são, em geral, celebrações. São modos de assinalar que há pouco para celebrar e muito para denunciar e transformar.

Qua, 16/03/2011 - 23:46

 

Este artigo não trata de transgressão sendo cometida contra os palestinos e a Palestina e sim de um crime contra a humanidade o qual, se dele descuidarmos, continuará impune como vem sendo durante décadas, com tendência a se perpetuar.O veto estadunidense a uma Resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas condenando a política de colonização do estado sionista era esperado. Isto porque desde o ano 2000 os Estados Unidos exerceram este poder por dez vezes, nove dois quais para evitar a condenação dos sionistas. O cinismo maior ficou por conta da Embaixadora Susan Rice, representante permanente dos Estados Unidos junto à ONU, explicando que a decisão de seu país foi adotada para “não encorajar as partes a ficarem fora das negociações” e aditando que a colonização destruía “a confiança entre as partes” e ameaçava “as perspectivas de paz”. Além da afronta ostensiva às convenções e conveniências morais e sociais, há contradições patentes na declaração da Embaixadora: primeiro porque não é virtualmente permitindo a construção de assentamentos, com a agravante de que contraria também 93,3% dos próprios membros do CS, que se inibe a participação das partes nas negociações; e, segundo, se a construção de assentamentos destrói a confiança entre as partes, porque então continuar na teimosia de compactuar com a improbidade dos atos praticados condenados pelas Leis Internacionais. A construção dos tais assentamentos para neles se estabelecer uma população civil alienígena sionista é por esta própria razão uma flagrante ilegalidade capitulada na Quarta Convenção de Genebra que “protege os civis, inclusive em territórios ocupados”. O estado sionista assinou as Convenções em 08-12-1949 e os ratificou em 06-07-1951, mas para quem nunca respeitou Tratados ou todas as Resoluções da Assembléia Geral das Nações Unidas ou as Resoluções do Conselho de Segurança, comprometer-se assinando e ratificando e não cumprir é também esperado.Os quatorze outros membros do Conselho de Segurança votaram a favor da Resolução. Não é de admirar que os Estados Unidos tenham votado contra, coerentes com as suas atitudes através do tempo e em todos os cantos do mundo e principalmente no Oriente Próximo, impondo fazer valer que quatorze votos não valem e só tem valor um único voto carregado de contradições e injustiças. Este é o conceito chulo estadunidense de democracia: “se for do meu e no interesse de meus protegidos sionistas vale; se não for, não vale”. Este não é caso isolado. Para a Autoridade Palestina, o veto estadunidense é uma decisão “infeliz” afetando a credibilidade de Washington na região. Como também era de se esperar, os palestinos declararam que iriam “reavaliar” sua participação no processo de paz.Esta é a primeira vez que os Estados Unidos usam o veto a uma Resolução do Conselho de Segurança desde quando Barack Obama assumiu a presidência de seu país. Obama, no entanto, não foi inédito por exercer o prestígio de seu cargo para favorecer o estado sionista, pois assim procederam todos os seus antecessores.Não conseguindo convencer Mahmoud Abbas, o chefe da Autoridade Palestina a retirar o projeto de Resolução, ele instruiu a seus diplomatas para que telefonassem para os governantes dos quatorze membros do Conselho de Segurança pedindo que votassem contra. Quaisquer que tenham sido as respostas de cada um dos chefes de governo consultados, os Estados Unidos e seu presidente saíram deste episódio desprestigiados.  Obama entrou e saiu desmoralizado.

Este artigo não trata de transgressão sendo cometida contra os palestinos e a Palestina e sim de um crime contra a humanidade o qual, se dele descuidarmos, continuará impune como vem sendo durante décadas, com tendência a se perpetuar.

Qua, 23/02/2011 - 22:58

Não me lembro exatamente quando foi que participei de uma manifestação pela primeira vez em minha vida. As lembranças mais claras remontam a um período anterior à faculdade. Eram os anos 80. Anos interessantes aqueles, quando clamávamos por “Diretas Já”, depois de uma ditadura militar que durou mais de 20 anos. No entanto, as minhas lembranças mais remotas de manifestações me levam a essa mesma ditadura, na sua parte final.

Seg, 14/02/2011 - 23:50